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Pequim foi uma aventura que não precisou de tradução

Cidade Proibida

A China nunca fez parte dos nossos planos. Eu sempre preferi viagens para Oeste, com os Estados Unidos na mira, e a Sarah pensava em destinos mais paradisíacos a oriente. Mesmo assim, um pouco por acaso, decidimos viajar para Pequim numa questão de minutos. Quando aliámos um preço baixo numa promoção da Lufthansa à perceção de que afinal o tempo de viagem não supera as dez horas, percebemos que não havia como resistir.

 

(Also available in English)

 

Estávamos a praticamente seis meses do passeio, mas a viagem seduziu-nos instantaneamente. Hoje, cinco anos depois, concordamos em dizer que ainda bem que a fizemos apesar de não ser algo que queiramos repetir - pelo menos para já. Um destino que sempre pareceu tão distante enquanto crescia, num país que só mais recentemente se começou a abrir a outras culturas e a mostrar a sua, apareceu mais sedutor do que nunca.

 

Nascido em 1985, lembro-me muito vagamente de ter visto imagens do Massacre de Tiananmen na televisão. Quase trinta anos depois, visitar a praça, a Cidade Proibida, a Grande Muralha da China e, claro, o complexo olímpico foi uma oportunidade que não podia perder, apesar do grande ponto de interrogação que saberíamos que esta viagem iria ser.

 

Todas as nossas escolhas tiveram o objetivo de facilitar ao máximo a nossa estadia durante aqueles seis dias. Optámos por um hotel numa zona comercial muito perto da Cidade Proibida para garantir que as refeições e uma boa parte da dose turística seriam facilmente feitas a pé. De resto, havia um autocarro do aeroporto que fazia uma rota que parava praticamente à frente do hotel. Tendo em conta que nenhum de nós arranhava sequer o mandarim além do olá e do obrigado e que o inglês nem sempre é uma opção, quisemos evitar a todo o custo problemas que se agravariam com dificuldades de comunicação.

 

A primeira aventura num restaurante

Menu do primeiro jantar

O jet lag para o Oriente atacou-nos de uma forma que nunca tínhamos experimentado até então. Desde acordar às 4h30 da manhã mais do que preparados para o pequeno-almoço (e logo eu que raramente me levanto para comer quando a refeição está disponível até às 10h00) até ter um apetite insaciável para jantar a meio da tarde, passámos por tudo. Por isso, pouco tempo depois da chegada fomos à procura de algo para comer na zona comercial de Xidan, a poucos metros do nosso hotel.

 

Havia soluções mais ocidentais de fast-food a que estamos habituados, mas queríamos tentar encontrar algo mais local. Num andar subterrâneo de um centro comercial do estilo do Fonte Nova, vimos um balcão com menus que pareciam apetecíveis. Tinha chegado a hora de falarmos pela primeira vez com chineses fora do circuito turístico. Felizmente, do outro lado estavam duas empregados tão aventureiras como nós, que demonstraram uma felicidade por estarem a comunicar com estrangeiros que não estávamos à espera.

 

Pedimos, com relativa facilidade, o menu que queríamos e pagar também não foi difícil. O pior foi quando uma das empregadas começou a gesticular na nossa direção como se de repente já não nos quisesse ali. Estava a fazer uma cruz com os indicadores na nossa direção como se estivesse a afastar vampiros e nós, perdidos no ambiente, não percebíamos. Ela repetiu uma, duas, três vezes até que uma luz se iluminou no cérebro da Sarah.

 

«Ah! Eu li sobre isto! Isto é como dizem dez!». Percebemos nessa altura que nos estava a dizer que a comida ia demorar mais ou menos dez minutos até estar pronta. Conclusão? Esperámos sem qualquer problema e até ficámos razoavelmente agradados com a comida, exceptuando uma sopa e outra mistela em que só o cheiro já era suficiente para nos afastar.

 

A caminho da Cidade Proibida 

Cidade Proibida

Era o nosso primeiro ponto de paragem. Era obrigatório. Quando escolhemos o hotel já estávamos à espera disso e depois do primeiro pequeno-almoço, com as ruas ainda desertas, decidimos andar aqueles cerca de dois quilómetros até à entrada junto da Praça Tiananmen.

 

O percurso serviu para darmos conta, pela primeira vez, da quantidade de polícias que há em cada quarteirão para manter a ordem, e para confirmar que os mapas enganam. Se em Boston, por exemplo, tudo parece estar à distância de um passo, em Pequim a mais pequena distância no mapa é enganadora.

 

A segurança é um ponto-chave na Praça Tiananmen. Os episódios sucessivos de autoimolação em protesto apertaram os pontos de controlo e tornou-se obrigatório passar por um detetor de metais na passagem subterrânea que dá acesso à praça e à entrada principal da Cidade Proibida junto ao Mausoléu de Mao Tsé-Tung. 

Monumento na Praça Tiananmen em frente ao Mausoléu de Mao

Quando chegámos, já existia uma grande movimentação de turistas mas nada que nos fizesse esperar muito tempo. A entrada é feita sem qualquer tipo de problema e não demoro muito tempo a perceber por que lhe chamam Cidade. Entre escadas para subir e para descer, acesso a templos, jardins sempre bem cuidados e árvores históricas, percebemos que o espaço é muito maior do que esperávamos.

 

Aqui e ali, ouvimos o que os guias vão dizendo mas o nosso caminho continua. Paramos em sítios estratégicos para tirar fotografias ou aproveitar a beleza que cada recanto da Cidade Proibida nos oferece, mas a parte histórica, que vem nos guias, é relegada para segundo plano.

Cidade Proibida

Cidade Proibida

Atravessamos a Cidade Proibida até à saída do outro lado e subimos a uma pequena muralha para tirar uma nova fotografia que nos oferece uma perspetiva diferente da Cidade Proibida, com a vantagem de dar um contexto mais adequado à sua dimensão.

Vista da Cidade Proibida

Ser famoso no Palácio de Verão

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O que fazem dois portugueses em Pequim? O mesmo que milhões de chineses fazem todos os anos, vindos de todos os cantos do país que se aproxima rapidamente dos 1,5 mil milhões de habitantes.

 

Por que é que isto importa? Para perceber que apesar dos portugueses, dos franceses, dos ingleses, dos americanos, de outros europeus, a maior franja de turistas em Pequim, seja em que atração for, será sempre de chineses. Mais: será sempre de chineses que não têm qualquer contacto com Ocidentais.

 

Mais uma vez, a Sarah já tinha lido sobre isto e partilhado comigo. É muito comum haver turistas ocidentais abordados por chineses para tirar uma fotografia. Se for alguém louro e muito alto, os pedidos aumentam exponencialmente. Nós não somos louros. Nós não nos aventuramos além dos 1,80 metros. Nós julgávamos que não íamos passar por isso e até já nos tínhamos esquecido desse pormenor mas, de repente, durante umas breves horas na visita ao Palácio de Verão, tudo mudou.

Entre turistas...

Falar em inglês ou em mandarim pouco importa. Abordam-nos com uma timidez que é quase contagiante, dizem-nos “picture” e apontam para os dois. Acontece uma, duas, três vezes. E nunca são só eles. Ali perto, de forma discreta, toda a família está à escuta, envergonhada, sabendo se vão poder ter essa possibilidade. Nunca negamos. Achamos piada. Brincamos, entre nós, que se calhar vamos constar na prateleira das fotografias de uma família inteira para sempre. Que vão olhar para aquela fotografia que tiraram e pensar naquelas duas pessoas sobre as quais não sabem nada mas que por acaso se cruzaram uma manhã no Palácio de Verão. Tudo pela curiosidade de ver alguém tão estranho e com traços que nunca, ou raramente, tinham visto antes.

 

O Palácio de Verão é exatamente o que o nome indica: o local para onde os imperadores se mudavam durante a estação mais quente do ano. O ponto de maior atração é a Colina da Longevidade, banhada pelo Lago Kunming, e é para onde nos dirigimos a pé e subimos degraus atrás de degraus, atrás de degraus.

Palácio de Verão

Palácio de Verão

A vista é revigorante. É também aí que me apercebo do olhar feliz, cansado e contemplativo que um chinês tem ao meu lado no topo. Até hoje continua a ser uma das fotografias que mais gosto.

Contemplação não precisa de tradução

 O berço dos mitos Bolt e Phelps

Estádio Olímpico de Pequim

O desporto faz parte das nossas vidas e a viagem a Pequim não poderia ser exceção. Tentámos, sem sucesso, ir ver um jogo de futebol do Beijing Guoan (garantiram-nos no hotel que os bilhetes estavam esgotados), e sabíamos que, desse por onde desse, íamos acabar por ir visitar o Complexo Olímpico, que acolheu os Jogos de 2008.

 

As marcas olímpicas ainda estão muito presentes em Pequim nos transportes públicos. É uma sorte poder entrar numa carruagem de metro e perceber-se perfeitamente a evolução do nosso trajeto e exatamente onde temos de sair. A estação ainda fica um pouco longe mas andar, para nós, nunca é um grande problema.

 

O Estádio Olímpico (Ninho de Pássaro) e o pavilhão onde se disputaram as provas de natação (Cubo de Gelo) estão praticamente um à frente do outro. É impossível estar naquele local e não sentir que muita da história do desporto mundial foi feita ali, num raio de 500 metros. Usain Bolt mostrou-se ao mundo definitivamente – e de que forma! –, enquanto Michael Phelps cumpriu o desígnio de bater o recorde com oito medalhas de ouro numa mesma edição.

 

Aproveitámos um banco com vista para o lago junto ao Ninho de Pássaro para descansarmos e recordarmos histórias de como tínhamos vivido 2008. Eu estava a trabalhar sem folgas no Record, ela ainda estava de férias no secundário. Foram muitas madrugadas passadas sem dormir e polémicas com a comitiva portuguesa.

Marco Fortes?

Ali, com o Ninho de Pássaro em plano de fundo, fizemos uma série fotográfica imitando referências de 2008. Fomos Usain Bolt, fomos Marco Fortes na caminha, fomos Nelson Évora a conquistar uma medalha de ouro, a única de Portugal naquela edição, no triplo salto.

 

Os casamentos do Templo do Céu

Templo do Céu

Uma das últimas paragens que fizemos em Pequim incluiu uma visita ao Templo do Céu. A lógica é muito semelhante à do Palácio de Verão mas aqui não fomos solicitados para tirar fotografias. Mais do que uma paragem turística para os próprios chineses, é uma zona que os pequineses aproveitam para uma tarde bem passada.

 

Há muitas sessões fotográficas de recém-casados e, pelo menos na primeira semana de abril de 2015, não há muita confusão. As paisagens são bonitas, favorecem boas fotografias e quase que nos esquecemos do ambiente poluído do centro de Pequim, naquela que foi uma das nossas maiores preocupações antes e durante a viagem.

Templo do Céu

Uma criança entre brincadeiras

No verão é muito pior e em abril os níveis nem estavam assim tão maus. Não sentimos necessidade de ter qualquer precaução especial mas apercebemo-nos, ao final do dia, quando nos assoávamos, que tínhamos as narinas pretas por causa da qualidade do ar, ou falta dela.

 

Claro que a viagem a Pequim não podia ter sido concluída sem a visita a um dos setores da Grande Muralha da China mas essa foi uma aventura tão especial que merece um texto próprio.

 

 

 

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O Imperdível de Los Angeles

 

Há dias disseram-me: "Então diz-me lá do que gostaste em LA".

 

É um desafio fácil, mas difícil: dizer que Venice é adorável, que a Downtown é aquilo que nunca pensamos que Los Angeles possa ter, que Hollywood não está cheio de loucos e miúdas meio nuas e que Chinatown é outro mundo, onde se comunica mais facilmente em espanhol do que inglês, é a parte fácil. A parte difícil é explicar como é que isso me fez adorar uma cidade que, meses antes, me fazia revirar os olhos quando pensava em passar lá cinco dias.

 

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O nosso fim de tarde passado no Griffith Observatory teve, sem sobra de dúvidas, uma forte influência. O Griffith Observatory é um observatório (duh) astronómico, aberto em 1935 e com um monte de história interessante que podem ler aqui. Chega-se lá facilmente de autocarro (sair de lá é outra questão de que já vos falarei) e depois podem andar livremente pelos jardins e pelos vários edifícios, ver as exposições e espreitar pelos telescópios... tudo muito giro, mas não é isso que o faz *a* coisa.

A invasão dos telescópios

Fizemos por chegar ao final da tarde, bem a tempo de apanhar o pôr-do-sol e, por obra e graça de alguém que não eu - nem o Ele -, apanhámos uma "Star Party", uma festa aberta ao público organizada, uma vez por mês, com o apoio de várias sociedades ligadas à astronomia e em que dezenas de astrónomos amadores montam os seus telescópios pelo relvado e mostram... o céu e o que lá há. First win.

 

Durante uma boa hora vimos Vénus e Marte, a Lua e estrelas, ouvimos as conversas dos astrónomos e dos interessados, metemos as mãos na massa em experiências montadas no museu e tirámos fotografias lindas com toda a cidade de Los Angeles aos nossos pés. Sim, porque o Griffith Observatory também é capaz de ser um dos melhores pontos de observação para a cidade, e não só para o céu.

Vista sobre a downtown

Depois chegou a altura mágica em que decidimos ficar só na relva a ver o céu a alaranjar cada vez mais, até tudo estar tingido dessa cor, e a conversar. Somos grandes adeptos de fazer o que queremos em viagem, mesmo que isso implique estar horas num sítio qualquer só porque é bonito. Depois de um pôr-do-sol que me pareceu durar horas (a sério, não houve cá 5-7 minutos), decidimos que era altura de apanhar o autocarro de volta.

 

Ah!, já agora, e para referência para o que vão ler a seguir: o observatório está no cimo de um monte, daqueles onde as pessoas dos filmes que se passam em LA vão fazer caminhadas a sério. Daí o subir de autocarro ser importante.

 

Perdemos o autocarro por um minuto, porque depois da preguiça da relva, e apesar de o vermos na paragem, não nos apeteceu correr. Também seria só esperar mais 15 minutos pelo próximo... pois, não. Passaram 15, depois 20, depois 30 minutos e nada de autocarro. 'A descer todos os santos ajudam', não é? Foi o que achámos, e decidimos pôr-nos a caminho. Segundo o Google Maps, a caminhada até à estação de metro seria de 44 minutos. Com as nossas pernas, apostámos em 35. Fazia-se.

 

Começámos a descer e, nas primeiras centenas de metros, nada de carros. Alguns minutos depois, ao longe, começamos a ter a visão típica de quem olha para a A5 ao sair do Túnel do Marquês em hora de ponta: uma fila interminável de faróis vermelhos, completamente parados. Mas que raio? Continuámos a descer. As filas, para subir e para descer, estavam imóveis e compactas, e nós sem perceber o porquê daquele entusiasmo todo. Não havia assim tanta gente lá em cima.

Jogo de sombras

Passámos pelo autocarro que perdemos, e ainda passámos por mais dois a subir (foi nessa altura que percebemos que tínhamos decidido bem), mas continuávamos confusos. Os parques de estacionamento estavam completamente cheios e havia dezenas de voluntários a ajudar os carros a estacionar (na verdade, a tentar voltar para trás, porque estacionar era impossível).

 

Foi só quando chegámos ao sopé do monte que percebemos, já depois de vermos várias minissaias e saltos altos a andar apressadamente à nossa frente: o Griffith Park tem uma "sala de espetáculos", o Greek Theatre, onde um concerto de música... latina? mexicana? estava no auge - e bastante bem composto, apesar de toda a multidão que ainda estava nos carros a tentar estacionar.

 

Pensámos em ficar, mas não é bem a nossa cena. Foi, sim, mais um daqueles momentos que fazem uma viagem, e uma história de que nos rimos sempre. Ainda bem que desistimos de esperar. 

 

 

 

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O último capítulo de uma lenda chamada Kobe Bryant

 

Estrela dos LA Lakers despediu-se a 13 de abril de 2016 com uma exibição memorável em que marcou 60 pontos no triunfo sobre os Utah Jazz. Para trás, ficou uma carreira brilhante com cinco títulos e muitas noites de deixar a boca aberta (sem ser de sono). Agora será alvo de uma derradeira homenagem: o Staples Center vai pendurar os números com que Kobe fez história (8 e 24).

 

(Also available in English)

 

A festa depois do jogo

 

Uma noite que não se esquece

 

Quarta-feira, 13 de abril de 2016. O mundo do desporto tinha os olhos postos na Califórnia. No norte, em Oakland, os Golden State Warriors iam fixar um novo recorde de vitórias numa fase regular (73). Mais a sul, em Los Angeles, Kobe Bryant ia colocar um ponto final na sua carreira como jogador.

 

Nós estávamos lá. Com bilhetes comprados em outubro, um mês e meio antes de Kobe Bryant anunciar oficialmente que 2015/16 seria a sua última temporada, e depois de uma autêntica maratona para assegurar o levantamento dos bilhetes em Los Angeles, fomos mais testemunhas do que espetadores. Sim, porque Kobe Bryant não fez apenas um jogo. Deu uma prova de grandeza à qual ninguém conseguiu ser indiferente.

 

Os parágrafos que se seguem são uma mistura dos vários textos que se escreveram na altura, ainda a quente, depois de tudo o que se tinha passado. Porque por mais que as memórias resistam fortes no cérebro, não há nada melhor do que reviver a emoção e a sensação de estupefação sentida no momento. 

 

Um predador competitivo

Staples Center vestido a rigor

Kobe Bryant, o fim. Dito assim, de forma crua, parece retirar-lhe o que construiu durante vinte anos de carreira ao mais alto nível, sempre ao serviço da mesma equipa - cada vez mais uma raridade.

 

Num desporto de enorme exigência, Kobe Bryant não se limitou a ser um atleta de elite. Foi um predador, um animal competitivo que cheirava as presas como se estivesse numa selva sem ser alvo de atenções. Mas não estava. Desde os 17 anos, idade com que foi escolhido pelos Charlotte Hornets (depois de os LA Lakers lhes terem segredado o nome ao ouvido apenas alguns minutos antes do momento da verdade), Kobe sempre foi uma estrela. Amado por uns, odiado por outros, angariou milhões de testemunhas.

 

Até agora, 13 de abril. Foi o último dia. O dia em que uma carreira repleta de altos e baixos (em que os primeiros serão sempre mais memoráveis) chegou ao... fim. O dia em que a estação de metro do Pico, a escassos metros da entrada Sul do Staples Center foi rebatizada com o seu nome - apenas por 24 horas. O dia em que os rivais baixaram as defesas e reconheceram a qualidade inexcedível de um talento incomparável na NBA. 

Parede dos agradecimentos

E o dia em que bilhetes comprados a 71,50 dólares a 15 de outubro chegaram a valer mais de 900 no mercado autorizado de revenda. Não foi um tiro no escuro mas uma antecipação do que se especulava e que se confirmou no final de novembro: Kobe Bryant ia acabar a carreira em abril de 2016.

 

O predador envelhecera. Os olhos que fitavam o cesto com uma vontade obsessiva de triunfar cansaram-se. E o grupo, em seu redor, tornou-se fraco. Onde noutros tempos houve Shaquille O'Neal, Pau Gasol ou Lamar Odom, há agora a juventude de Jordan Clarkson, D'Angelo Russell e Julius Randle. Só que para já não passam disso, promessas.

 

Mais do que um último jogo, tratava-se de uma despedida. Da última oportunidade que todos, adeptos dos Lakers ou não, teriam de reviver tudo o que Kobe alcançou desde 1996, com destaque para os cinco títulos de campeão - o último em 2010.

 

Quatro horas antes do arranque, já a praça central junto ao Staples Center estava apinhada. Os adeptos não se intimidaram na hora da homenagem e trouxeram o que podiam: camisolas de Bryant com os números 8 e 24 (os dois que utilizou pelos Lakers) mas também com o 33, da Lower Merion, escola secundária de onde saiu para a NBA.

 

E quem não tivesse aparecido vestido a rigor, também não havia problema. Para os vendedores ambulantes esta foi uma oportunidade de ouro, com t-shirts à medida da despedida e algumas das fotografias marcantes da carreira.

 

O Staples Center também se engalanou. Não esteve pronto tão cedo mas aos poucos forrou as suas paredes exteriores com imagens de Kobe Bryant e a inscrição #ThankYouKobe. De resto, muitos balões, insufláveis e entretenimento infindável para ajudar a passar as horas. Ou mesmo a passagem de Snoop Dogg, com a sua enorme comitiva, a gerar a euforia dos que esperavam. 

Os preciosos bilhetes

 

Noite kobecêntrica

 

Já lá dentro, depois de uma hora na fila, não havia dúvidas sobre o protagonista da noite. Logo na porta, uma chuva de ofertas, com destaque para um livro com os melhores momentos e imagens da carreira de Kobe. Depois, na cadeira, uma t-shirt dedicada ao #mambaday.

 

O court também estava equipado a preceito. De um lado, o número 24, do outro o 8. Enquanto o tempo passava, o ecrã gigante mostrava vídeos da carreira.

 

As cheerleaders não tiveram folga mas não esteve longe disso. A cada pausa, o entretenimento era outro e o ecrã gigante só passava testemunhos sobre Kobe. Primeiro de antigos colegas, depois de rivais, passando por estrelas de outras modalidades como David Beckham e Novak Djokovic e figuras do cinema norte-americano com destaque para Jack Nicholson.

Os preparos da festa foram tão cuidadosos que Kobe Bryant não quis desiludir ninguém. Até porque antes do jogo fora anunciado por Magic Johnson como o melhor jogador dos Lakers da história. Mas o começo foi tremido. Falhou lançamentos e pareceu acusar uma pressão que venceu tantas vezes na carreira.

 

Um desarme de lançamento foi a faísca que faltava para incendiar a multidão do Staples Center e o próprio Kobe Bryant. As duas horas que se seguiram entraram na história. Há a forma crua de ver as coisas - Kobe tentou 50 lançamentos de campo e teve literalmente a equipa a jogar para si - mas a que entra na memória é a romântica. A de um jogador que se despediu depois de vinte anos com 60 pontos. E com uma vitória. Graças a ele, claro. E à forma como liderou o jogo nos minutos finais.

 

Sentimento de pequenez

A última noite de Kobe

Há momentos na vida em que nos sentimos pequenos comparados com o que estamos a ver. Momentos que nos tiram o fôlego, que fazem com que tenhamos dificuldade para reconhecer em direto, naquele segundo, a dimensão precisa do que nos aparece à frente.

 

No caso da despedida de Kobe Bryant, o estado de transe demorou horas. Por si só, o último jogo da carreira seria especial mas o jogador conseguiu elevar o patamar em vários níveis. Como se nos sussurrasse ao ouvido "vocês achavam que ia ser bom? Pois eu garanto-vos que será ainda melhor".

 

Basta pensar que este texto está a ser escrito 12 horas depois do arranque e o tempo de sono continua a escassear. Por mais que tente, a sensação de ter sido testemunha de algo único é transcendente, invade-nos o estado de espírito e faz-nos voltar a cada momento de uma noite inesquecível.

 

De quando achámos que poderia não ser assim tão bom quando falhou vários lançamentos a abrir, de quando começámos a fazer contas sobre que patamar pontual conseguiria alcançar. De quando torcemos para chegar aos 50 pontos sem sequer ter a noção de que ia a caminho dos 60.

 

Kobe Bryant fez isso. Deixou-nos pregados ao chão, mas de pé. Com as pernas a tremer mas de pé. No primeiro, no segundo e no terceiro andar do Staples Center. Revendo os vídeos feitos, é impossível não reparar de que quando Kobe converteu o lance livre que lhe deu os 60 pontos, todo o pavilhão estava de pé.

 

Faixa escondida num álbum mítico

 

Quando Kobe Bryant partiu para os minutos finais do jogo de despedida, a noite já era especial, mas o que se seguiu serviu quase como uma faixa escondida no final de um dos melhores álbuns de sempre.

 

E ouvi-la, ao vivo, sem perceber até onde iria ou quando acabaria a canção, é indescritível. É de levar as mãos à cabeça, olhar em volta e perceber que todos têm a mesma pergunta na mente: “Mas como é que isto é possível?” Na noite de 13 de abril não fui jornalista, não fui adepto dos Celtics, não fui espectador. Fui testemunha. Misturado com tantos outros que tiveram a mesma sorte. Sim, porque para nós aquelas duas horas e meia foram uma questão de sorte.

 

Quando não estava em campo, perdia interesse. Poucos eram os que queriam saber e só mesmo a perspetiva de regressar ao court alimentava a esperança. Cedo os 10 pontos se transformaram em 20. E os 20 em 30. E os 30 em 40. Aí, já no último período, todos pensámos que ia aos 50. A partir dos 47, a 3’05” do final, tornou-se impossível ficar sentado. Era como se no fundo todos soubéssemos e sentíssemos que a história estava ao virar da esquina e ninguém a queria perder. Com uma diferença: estávamos muito enganados quando pensávamos que a marca redonda seriam os 50. Kobe, o humano genial, transformou-se em Kobe, o extraterrestre sobredotado.

 

Uma exibição deve ter altos e baixos mas Kobe afundou a lógica e aumentou o patamar de euforia incrédula a cada intervenção. Era Mamba, era Rei Midas, era Kobe, um adolescente da Pensilvânia com o sonho de ser o melhor Laker da história. E de cada vez que segurava a bola com as duas mãos a caminho do cesto, só me restava levar as minhas à cabeça, em estado de assoberbamento total.

 

Ainda é difícil perceber o que aconteceu. E acreditar que aconteceu. Kobe transformou uma noite que já era especial numa impossível de esquecer. Não voltou a falhar um lançamento e fechou a contagem com 60 pontos. Mas não foi só isso: sozinho deu mais uma vitória, pela última vez, aos Lakers. Sem pressão? Pelo contrário. O que acham que significa ir para a linha de lance livre a 15 segundos do fim com a possibilidade de chegar aos 60 pontos?

 

Ao contrário de mim e de todos os outros na bancada, Kobe não tremeu. Não podia tremer. Porque Kobe não é deste mundo, é de um outro, um especial. Nós só passamos por aqui, somos apenas testemunhas. Ele é eterno.

 

 

 

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Ver os Patriots no Gillette Stadium

 

Foi a verdadeira experiência americana. Um jogo que obriga a reservar um dia inteiro, as aventuras pelo meio da segurança apertada, os protestos dos jogadores a Trump, dos adeptos aos jogadores e o vulcão adormecido que entrou em erupção por causa de Tom Brady.

 

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O segredo está na antecipação

 

A logística para ir ver um jogo dos New England Patriots foi a mais complexa de sempre. Os bilhetes de avião foram comprados no dia em que a NFL anunciou o calendário: 21 de abril. Os bilhetes para o jogo foram comprados nos primeiros cinco minutos em que estiveram disponíveis, a 14 de julho.

 

O mais difícil estava feito (meia hora depois, o preço dos bilhetes tinha ficado já fora do alcance) mas havia passos que continuavam a ter de ser feitos, até porque os Patriots jogam praticamente no meio de um descampado entre Boston-Massachusetts e Providence-Rhode Island.

 

Não se pode ir a pé. Não se pode ir de autocarro. A melhor opção são os comboios fretados exclusivamente para o efeito e com lugares limitados que ficam à venda apenas na semana do jogo. Um sai de Boston, outro de Providence.

 

O jogo tem arranque marcado para a uma da tarde de um domingo – como manda a verdadeira tradição – e o comboio de Boston sai da South Station às 10h15 para uma viagem com três paragens e com uma duração a rondar os 60 minutos. É o segredo da antecipação que tanto jeito vai dar mais à frente. 

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Uma hora antes do horário de partida do comboio, a estação não deixa dúvidas. É dia de jogo. Notam-se as primeiras camisolas, sempre com Brady-12 e Gronkowski-87 em plano de destaque, e todo o tipo de adereços habituais. Com o aproximar da hora, a fila para a plataforma forma-se quase espontaneamente. No total, o comboio é composto por doze carruagens de passageiros (oito delas com dois andares) e tem capacidade para cerca de 1800 pessoas.

 

O jogo da mala

 

A estação do Gillette Stadium fica no meio do nada. Há um complexo comercial junto ao estádio mas de resto são hectares e hectares de… parques de estacionamento e árvores. A pequena estrada entre a paragem do comboio e o estádio tem duas linhas para que ninguém se perca mas basta seguir a multidão.

 

À nossa espera, estão vários responsáveis com sacos transparentes. Razão: a segurança na NFL é apertada, mais do que em qualquer outro evento desportivo nos Estados Unidos, e não se abrem exceções. Não há espaço para malas nem mochilas opacas.

 

É uma má notícia para quem, sem carro e inesperadamente, tem uma mala e fica sem grande alternativa. À boa maneira portuguesa, a primeira solução é a do desenrascanço: esvazia-se a mala, pede-se um segundo saco transparente e dobra-se muito bem a mala, quase para o tamanho de uma mão, e tenta-se entrar. Acesso negado! Não há facilitismo: se se quiser ver o jogo, não se pode levar a mala.

 

O complexo comercial não tem cacifos. Os seguranças dizem-nos que não há mesmo exceções e que a melhor opção é pedir a alguém que tenha carro. E acrescentam: «Esconder no parque de estacionamento não é opção, a polícia anda com os cães a farejar e se for preciso destroem o que encontram».

 

Resignamo-nos. Regressamos ao parque de estacionamento e pomos em prática tudo o que aprendemos com Cal Lightman em Lie to Me. No meio da verdadeira experiência americana de tailgating, com churrascos capazes de alimentar toda a lotação de grande parte dos estádios do campeonato português, tentamos estudar as expressões das pessoas e ver quem será de confiança e simpático o suficiente para acudir a um pedido cada vez mais desesperado de quem vê o tempo a passar e as opções a esgotarem-se.

 

Foi à primeira. Já com o carro estacionado e a montar a grelha junto ao porta-bagagens estão dois homens que não parecem ter qualquer relação familiar. «Desculpe, temos um pedido muito estranho para lhe fazer», começamos.

 

Não é fácil. Há toda uma logística que é preciso esclarecer. Explicamos o que se passa mas há detalhes que não podem passar em claro: Então e como é que nos devolvem? Então e se o jogo ficar resolvido muito cedo e eles se forem embora mais cedo? Então e como é que podemos entrar em contacto, tendo em conta que eles não têm serviço internacional de chamadas ativo para nos poderem ligar?

 

Podia parecer que o complicómetro estava ligado mas não. Todas as perguntas privilegiavam a garantia de que não haveria forma de correr mal. Tanto que um deles, um norte-americano de origem italiana com um sotaque que não enganaria ninguém, prontamente se ofereceu para nos ir levar a mala no dia seguinte.

 

Recusamos. Nós é que estávamos a dar o trabalho todo, se fosse preciso seríamos nós a ir onde tivesse de ser. Por esta altura, a garantia de que iam guardar a mala era certa. O alívio dominava-nos o espírito e a conversa de ocasião era dominada pelo tal italo-americano. Chamava-se Anthony e parecia o duplo de Salvatore no filme O Nome da Rosa. O outro, cujo nome voou durante a confusão, falava-nos da sua ida a Portugal e de como tinha comido tanto peixe. Pelo meio, ofereceram-nos todo o tipo de comida. «Comam, estejam à vontade. Sabemos que se diz que as pessoas de Boston não são simpáticas mas não é bem assim», dizia-nos Anthony.

 

Recusamos uma última vez a comida, depois de aceitarmos apenas um camarão, e despedimo-nos. Até ao final do jogo ou, na pior das hipóteses, ao dia seguinte na empresa de Anthony. «Tomem um cartão com o meu contacto. Eu amanhã de manhã vou jogar golfe mas se quiserem ir ter à minha empresa, a minha mulher Lucy estará lá para vos entregar a mala. Não há problema.»

 

Por fim, a bancada

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Entrámos no estádio à segunda tentativa. Com bilhetes para o setor mais elevado, o percurso ainda é grande e a euforia entre os adeptos vai crescendo. Depois da derrota em casa na primeira jornada, espera-se que se possa dar a volta por cima.

 

Mas este não é um fim-de-semana qualquer. Dois dias antes, Donald Trump tinha atacado ferozmente a NFL e criticado os “filhos da mãe” dos jogadores que se ajoelhavam durante o hino, pedindo aos proprietários que os hereges fossem despedidos.

 

O tiro do presidente saiu pela culatra com a resposta dos jogadores. No Gillette Stadium, os Texans não se ajoelharam, limitando-se a entrelaçar os braços. Mas no lado contrário, cerca de quinze elementos da linha defensiva dos Patriots ficaram de joelhos e levaram boas secções do estádio ao desespero.

 

Os primeiros assobios surgiram ainda antes do hino, com gritos de “stand up”, mas a maior vaia, depois de um hino em que o verso que inclui a bandeira foi muito aplaudido, só aconteceu no final. Ali, como quando Colin Kaepernick começou o protesto contra a violência em 2016, a divisão do país estava patente. Para uns, a interpretação do protesto é um insulto à memória de todos os que defenderam a bandeira e a liberdade dos Estados Unidos em sucessivas guerras.

 

Este último aspeto torna-se ainda mais percetível pelo tipo de reação efusiva que se desperta na bancada sempre que há uma referência a militares na bancada ou veteranos de guerra. 

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Dinâmica do jogo

 

O futebol americano é um desporto de inverno mas naquele dia enganou muito bem. O calor era abrasador e difícil de aguentar até para portugueses. O protetor solar 50 fazia o possível para proteger e as águas frescas vendiam-se como… pãezinhos quentes a quatro dólares cada uma.

 

E uma não chegava. Nem mesmo duas. A corrida às águas, mais do que à cerveja, foi tão grande durante o jogo que por mais do que uma vez as vendas tiveram de ser suspensas. Durante esse período, foram entregues garrafas com água da torneira e, lemos nesse dia mais tarde, houve gente a protestar o pagamento de cinco dólares por essas garrafas.

 

Outra parte importante na bancada é sempre a análise do universo que nos rodeia. Como não podia deixar de ser, se os bilhetes eram os mais baratos para nós, também o seriam para adeptos dos Houston Texans que quisessem ir ver o jogo. Logo, a seis lugares à nossa esquerda, lá estavam três fãs em formato XXL que tinham a liberdade para se exprimir como quisessem, mais não seja porque… formato XXL.

 

Imediatamente à nossa esquerda estava um pai com um filho e duas filhas. O mais velho falava menos, estava submerso no sofrimento de um jogo muito mais sofrido do que ansiava, enquanto a mais nova bombardeava o pai com perguntas que até se assemelhavam ligeiramente ao estilo de «para quem nos está a ver pela primeira vez».

 

Essa foi a parte boa. Mesmo no terceiro anel, o jogo viu-se e entendeu-se bem. É certo que a ausência da linha amarela que marca o first down pode fazer alguma falta, mas tudo o resto corre na perfeição. O speaker resume cada jogada, explicando quem correu, quem fez o tackle, quantas jardas foram, quem vai fazer o pontapé ou punt e quem o vai receber.

 

E o sistema sonoro é perfeito, especialmente quando os árbitros explicam a decisão tomada.

 

Desalento crescente

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Os New England Patriots conseguiram um touchdown no primeiro ataque que tiveram mas os Houston Texans nunca vacilaram na perseguição. E quando Tom Brady sofreu um fumble que acabou em touchdown, o silêncio no estádio foi esquisito. Curiosamente, nessa altura os adeptos dos Texans tinham ido «abastecer». «Bom, ao menos aqueles tipos não estão aqui para nos festejar na cara», desabafou o pai ao nosso lado.

 

O sentimento geral era esse. Esse o do calor abrasador, claro está. Assim que foi intervalo, o terceiro anel ficou despido com gente à procura da sombra. Não fomos exceção. As roupas dos adeptos pareciam pinturas abstratas que refletiam os pontos de maior suor. Ninguém destoava, estávamos todos juntos nesta luta e não havia um único metro quadrado de sombra disponível.

 

Talvez por isso tenha havido muita gente a perder o início da segunda parte. Aí, apesar de estarem a perder, os Texans aproveitaram as fragilidades defensivas dos Patriots e facilmente passaram para a frente do marcador. Tom Brady nem começou mal, com um passe para o touchdown de Brandin Cooks mas o sinal mais era de Houston.

 

O tempo passava e os Patriots deixaram de conseguir avançar. Tom Brady falhou o first down em dois ataques consecutivos e à nossa frente uma adepta perdia a paciência, exigindo que a equipa arriscasse na quarta tentativa em vez de devolver a bola. O certo é que os Texans estavam a vencer 33-28 e o quarterback com cinco Super Bowls ia ter de fazer magia para dar a vitória com menos de dois minutos e meio para o fim e cerca de 80 jardas para avançar.

 

O acordar do vulcão

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Por esta altura já estávamos separados. Não sabíamos qual seria o nível de vontade de escapar ao trânsito dos nossos bons samaritanos e seria sempre preferível recuperar a mala no próprio dia. Havia muita gente a ir embora. Por muito que os Patriots tenham vencido a Super Bowl em fevereiro com uma recuperação do outro mundo, nem mesmo num estado tão irlandês como o Massachusetts se acredita em milagres sucessivos.

 

E, de facto, tivessem os Houston Texans avançado duas jardas em vez de uma na última jogada e tudo seria diferente. Seria o suficiente para deixar o relógio correr e impedir que Tom Brady voltasse a ter uma oportunidade. Mas não aconteceu.

 

O quarterback de 40 anos assumiu a responsabilidade e ofereceu-nos um momento inesquecível. A sucessão de jogadas, com calafrios com um fumble recuperado e uma quase interceção misturados com avanços in extremis de Rob Gronkowski, foram acordando o vulcão. De repente, passou-se a acreditar. Continuava a ser muito improvável mas ali estava Tom Brady, considerado por muitos o melhor quarterback de sempre, a desenhar, qual Picasso, mais uma reviravolta.

 

Foram duas jogadas consecutivas em menos de 25 segundos. Primeiro, um passe para Amendola que fez a equipa 27 jardas, já para o meio-campo de Houston. Logo de seguida, sem tempo para mais, Brady fez um passe na diagonal para o lado esquerda da zona de touchdown onde Brandin Cooks saltou, levou com o braço do adversário no capacete e ainda assim teve o discernimento de agarrar a bola, assentar os dois pés na zona de touchdown e cair para fora do campo.

 

O Gilette Stadium ficou mais vivo do que nunca. Gritos, expressões de incredulidade e corpos que tremiam, metade adormecidos pelo calor, metade excitados por Tom Brady ter acabado de fazer das suas. Subitamente, parecíamos estar num verso do anúncio da Galp no Euro-2004. «Um abraço aqui, um abraço ali. Abraço toda a gente, abraço quem nunca vi». Só não eram abraços, eram high fives. E nós não fugimos à regra, primeiro com a insatisfeita mulher da fila da frente, depois com o filho mais novo da família ao lado.

 

Lá fora, já à porta do carro, a euforia expressa-se através do telemóvel. A peregrinação de regresso a casa foi interrompida pelos ruídos promissores e o ecrã dos smartphones transforma-se em janela para a glória. «Já esta na linha das 27 jardas!», avisam, precipitando que há uma oportunidade.

 

Duplo… e triplo festejo

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O passe de Brady para Cooks é tão espetacular quanto duvidoso. E, como não podia deixar de ser, os árbitros anunciaram que a jogada ia ser revista. Subitamente, num dia em que não correu uma brisa para ajudar a combater o calor, parecemos ser invadidos por ventos frios. Será que vem aí uma desilusão?

 

Como sempre, surge o anúncio: «E agora, no ecrã gigante, vamos ver exatamente as mesmas imagens que os árbitros estão a ver». E aí está: o passe, a receção, um pé, dois pés. E o vulcão volta a explodir, festejando quase como da primeira vez.

 

Mas há novo vento. A receção foi boa, mas a imagem do ecrã gigante agora centra-se na queda: será que manteve sempre a posse da bola ao cair? Há rostos mais inseguros, expressões mais desanimadas e outras que não chegaram a parecer o que se passava. Seja como for, por essa altura já os árbitros estavam prestes a anunciar a decisão, que confirma o touchdown. E, mais uma vez, o vulcão faz-se ouvir.

 

Faltavam 23 segundos e a vitória estava no papo. Ou pelo menos parecia. Os Houston Texans não estavam dispostos a cair sem dar uma última tentativa de luta e Deshaun Watson tentou um hail mary. O que se passou a seguir foi incrível: bola na molhada e tornou-se impercetível perceber para onde tinha ido. Sabem o que se diz sobre aqueles momentos em que tudo é tão rápido que nem se consegue perceber o que aconteceu? Ali foi precisamente o oposto.

 

Por uma fração de segundo, o estádio ficou em suspenso.Os corações das 65878 pessoas que estavam a assistir ao jogo saltaram um batimento e só voltaram a reagir depois de, no meio da confusão, Duron Harmon ter saído a correr da endzone com a bola. E aí, sim, os festejos foram definitivos.

 

O alívio completo

 

A euforia manteve-se na saída do estádio. Do terceiro anel até ao piso do parque de estacionamento, é preciso descer quase sete andares, cada um com duas rampas de uns 30 metros. Ouve-se de tudo, mas sobretudo vénias a Tom Brady.

 

Já lá em baixo, dois polícias de organizações diferentes são gozados por uns adeptos. «And you missed it», gritam, apontando com o dedo, fazendo referência ao momento inacreditável a que tinham acabado de assistir e ao qual os polícias, por estarem a trabalhar, não tinham tido a oportunidade de ver. Com desportivismo, reagiram com sorrisos. Afinal, o dia de trabalho acaba muito melhor quando um estádio cheio sai bem disposto do que com azia por uma derrota.

 

Novamente juntos, o tempo urge. O comboio regressa a Boston meia hora depois do final do jogo. O carro dos samaritanos ainda lá está. Mas e eles, será que demoram muito? Depois de trocarmos sensações sobre como foram vividos aqueles últimos minutos, ao fundo, aparece a dupla. Vem bem disposta. Anthony ri-se, diz que viemos dar sorte e conta que fez uma aposta: «Eu disse-lhe que ela ia ter tanto medo que vinha para o carro ao intervalo».

 

Agradecemos uma e outra vez. O que pode ter sido uma simples ação para eles, para nós teve um significado maior. E agora, com a mala na posse e a vitória nas mãos, o alívio era completo. Estávamos de volta ao comboio e as conversas tinham um denominador comum. Éramos todos testemunhas de Brady.

O dia em que assistimos à Premier League maltesa

 

É mais forte do que eu. Mesmo antes de comprar uma viagem – ou mesmo decidir que viagem vou fazer – gosto de perceber quais são as ofertas desportivas que o destino tem para mim. Não que as faça sempre, mas prefiro sempre ir com a informação toda, caso haja uma oportunidade. 

 

(Also available in English)

 

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Não é surpresa para ninguém, mas Malta não é grande destino para turismo desportivo. Ainda assim, para alguém nascido em meados da década de 80, resiste um certo romantismo de um futebol em que as equipas maltesas se encontravam frequentemente com portuguesas. Além disso, é uma das seleções mais fracas da UEFA. Tudo ajudava a alimentar a curiosidade.

 

Ao contrário de outros destinos citadinos, em que é preciso ter a sorte para a equipa jogar em casa nesse fim de semana, em Malta não é problema. Aconteça o que acontecer, há sempre jogos em dose dupla em dois estádios: o Nacional em Ta’Qali (a cerca de 35 minutos de Valletta de autocarro) e o Victor Tedesco em Hamrun, praticamente às portas de Valletta (1400 metros para quem gosta de se aventurar a pé).

 

(Malta: um destino para qualquer ocasião)

 

A parte mais difícil foi convencer a companheira de viagem que, vá-se lá perceber porquê, não ficou completamente extasiada com a hipótese de se ir ver um jogo, ou mesmo dois seguidos. Percebo-a. Era uma viagem curta, de apenas três dias (ou dois e meio, para ser mais exato) e o horário dos jogos – 14h00 ou 16h00/16h15 – não ajudava. Ainda assim, fomos ver o Pembroke-Floriana, às 14h00, no Victor Tedesco.

 

(Guia para ver o melhor de Malta em dois dias)

 

A curiosidade era grande. Como conhecedor relativamente profundo dos escalões seniores em Portugal, queria perceber em que divisão é que o Floriana, uma das equipas mais históricas em Malta, se enquadraria.

 

Antes, os bilhetes. O estádio está ao nível do nosso Campeonato Portugal – ou mesmo alguns mais confortáveis da Distrital – e havia duas bilheteiras: uma para quem fosse adepto do Floriana ou do Hamrun Spartans e outra para quem era do Pembroke ou do Hibernians (havia um Hamrun Spartans-Hibernians às 16h15).

 

O preço, sete euros, não foi impeditivo, especialmente se considerarmos que dava para os dois jogos. De resto, a experiência não foi muito diferente de um jogo de escalões secundários em Portugal. Com um pormenor distintivo muito importante: aos sete minutos, a polícia identificou um adepto que – pelo que nos pareceu – insultou o árbitro e expulsou-o da bancada.

 

A dinâmica é muito semelhante. A maior parte dos adeptos – talvez uns 200 na nossa bancada – parecia ser familiar ou amiga dos jogadores e num dos cantos estava a claque, com cerca de 15 adeptos que pouco cantavam mas não davam grande descanso a um tambor.

 

Ao intervalo, a corrida ao bar é uma tradição. No nosso caso: um Ice Tea de limão, um Snickers e um Twix custaram 3,50 euros. Fazendo as contas, por 17,50 fomos os dois ver um jogo, alimentámo-nos (pouco saudavelmente, diga-se) e acrescentámos um jogo da liga maltesa à experiência.

 

Quantos se podem orgulhar de dizer que viram o Floriana, o primeiro campeão da história de Malta, a vencer o Pembroke por 2-1 ao vivo?

Guia para ver o melhor de Malta em dois dias

 

Os nossos três dias em Malta, como já vos disse, foram encurtados para dois devido a uma tempestade daquelas (com direito a trovoada que, se eu tivesse medo, me teria feito esconder debaixo da cama).

 

(Available in English)

 

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E, desses dois dias, uma boa tarde foi passada a ver o genial Pembroke-Floriana (para quem não está a par, falamos da Premier League maltesa), esse clássico do futebol europeu.

 

(Malta: um destino para qualquer ocasião)

 

Ficámos então com uma manhã, um fim de tarde e um dia inteiro para ocupar em Malta. Ponto um: o que queremos ver? O país é conhecido pelas espetaculares paisagens naturais e costeiras, com águas maravilhosas e grutas fantásticas. Mas, apesar dos vinte e qualquer coisa graus, estamos em novembro e ninguém está com grande vontade de se descascar. Além disso, a nossa praia é mais cidades.

 

 Decidimos que o dia perdido nos faria cortar Gozo do itinerário: a viagem de autocarro, mais o ferry, mais outra viagem de autocarro, mais caminho igual de regresso, era coisa para levar um dia. Ficámo-nos então pelas cidades: Valletta, ao lado de “casa”, foi o primeiro contacto e o sítio ideal para passar os fins de tarde. Marsaxlokk foi visitada no domingo de manhã, o Victor Tedesco (estádio) foi o destino da tarde. Na segunda-feira apontámos agulhas a Mdina e Birgu (Città Vittoriosa), onde aproveitámos para ver o pôr-do-sol na baía.

 

Valletta

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Se tiverem pouco tempo para visitar Malta, não podem ficar mais bem situados do que em Valletta, ou na vizinha Floriana (literalmente às portas da capital), de onde saem todos os autocarros na ilha. Além disso, a cidade é… espetacular.

 

Bons sapatos são fundamentais, e já agora umas pernas musculadas, porque se sobe e desce muito, mas vale a pena. As ruelas estreitas, com as suas janelas protuberantes e pintadas de vermelho e as estátuas que nos surpreendem em cada esquina tornam o ambiente encantador, e são o local ideal para passear a qualquer hora do dia. A vista para as Três Cidades (a este) é brilhante, e a mini-cidade acabou por ser um destino recorrente para nós.

 

Aproveitem os pequenos quiosques com crepes, wraps e sandes e terão excelentes refeições ao preço da chuva. Ou fiquem numa esplanada, mais ou menos turística, e comam boa comida italiana.

 

Marsaxlokk

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Marsaxlokk é um destino recorrente em guias e itinerários para Malta, que falam do “mercado de peixe ao domingo” como se fosse a coisa mais maravilhosa do mundo. Dica: não é. É giro, sim. Mas não compensa a fila de 80 pessoas para entrar no autocarro (dessas, só 40 vão conseguir entrar e não se voltam a abrir portas até chegar à estação terminal), os empurrões dos velhos britânicos e a falta de civismo que se encontra no caminho até lá.

 

O mercado normal, sem a parte do peixe, funciona todos os dias e escolhendo outro dia escusam de arriscar ser espezinhados para chegar lá – porque sim, vale a pena ir ver a baía, os tradicionais barcos coloridos, o ambiente.

 

Aproveitem uma manhã ou uma tarde para passear, sentem-se numa esplanada a comer qualquer coisa (esqueçam o Costa Coffee e os seus preços de Reino Unido, por favor) e a fazer a melhor coisa possível quando se está de férias – people watching.

 

Mdina

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Mdina, ou a Cidade Silenciosa, é uma cidade medieval fortificada que serviu como capital de Malta. Hoje, é um íman de turistas que se perdem pelas ruas calcetadas e exploram as igrejas e museus existentes na área. Das muralhas consegue avistar-se a ilha toda e distinguir as diferentes povoações que salpicam a ilha com igrejas de estilo italiano no meio de habitações de estilo árabe ou norte-africano.

 

Quando visitámos, a cúpula da Catedral estava em remodelações (e cheia de andaimes), mas isso não foi problemático. O encanto da cidade está no seu tom amarelado e sereno, que nos parece perseguir pelas ruas com curvas e contracurvas. Numa segunda-feira de manhã é possível andar por algum tempo sem encontrar hordas de visitantes e percebe-se o porquê de ser apelidada “Cidade Silenciosa”.

 

Birgu

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A zona das Três Cidades (Birgu, ou Vittoriosa, Senglea e Cospicua) foi provavelmente a menos turística, e mais “local”, que visitámos – exceção feita, vá-se lá saber porquê, ao estádio Victor Tedesco.

 

Vistas de Valletta, parecem um aglomerado de fortificações entrecortado por cúpulas de cor avermelhada a fazer lembrar Itália. A curiosidade foi mais forte e, depois de uma curta viagem de ferry, chegámos a Birgu e começou a nossa maior escalada.

 

Quando desembarcamos no ferry de Valletta, há duas opções: seguir ao longo da linha de água ou escalar a cidade, em direção ao Museu da Guerra. Por alguma razão, achámos que a melhor vista para Malta seria lá no alto (pensando nisso, faz algum sentido, certo?) e decidimos subir. Podíamos ter olhado para o mapa e ter percebido que a ponta da cidade, onde fica o Forte de Santo Ângelo, só tem acesso por uma estrada, e não é lá no alto.

 

Eventualmente, e depois de um passeio pelas ruas de Birgu (que, já agora, valem bem a pena ser exploradas, porque têm o encanto das de Valletta mas com a piada de terem, de facto, moradores), chegámos ao nosso destino. Forretas como somos, decidimos deixar de lado a entrada no forte propriamente dito e seguir por um caminho precário à volta da muralha. Fomos recompensados com uma “plataforma de observação” natural com vista para Valletta e umas horas bem passadas.

 

 

 

Guardar para ler depois:

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Malta: um destino para qualquer ocasião

 

Em casa (mesmo à porta, para fazer inveja) tínhamos um daqueles "mapas-raspadinha", onde marcamos os países que já visitámos juntos. Infelizmente, não passei muito tempo a olhar para ele, ou saberia que Malta não dá para raspar quase nada. Mas foi a possibilidade de visitar um novo país e, confesso, raspar mais um bocadinho que me levou a procurar viagens para aquele país-ilha no meio do Mediterrâneo.

 

(Also available in English)

 

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Também me bastaria um olhar para o tal mapa para ver que está mesmo perto da Tunísia, e saberia que "frio" tem uma conotação diferente por aquelas bandas. Vá, vou ser sincera: não sabia quase nada sobre Malta. A minha descrição seria: "Fala-se inglês, faz parte da Europa, é pequeno e bonito (ou pelo menos dizem que é)". Tudo se confirmou - o inglês não é bem aquele que esperávamos, mas existe - mas Malta é muito mais do que isso.

 

Hoje já há novamente voos regulares entre Lisboa e Malta, mas na altura tivemos duas opções: manter as coisas simples ou ser criativos. Apesar de gostar muito da simplicidade, aqui escolhi ser criativa - e poupar uns trocos. Nada de voos certinhos, na mesma companhia, escala num hub da Europa e tudo tratado à partida. Preferimos ver voos low cost a partir de Madrid, e logo se veria como chegávamos lá. Resultado final: dois voos Ryanair, dois voos Easyjet, uma noite extra na capital espanhola e três dias completos em Malta. Feito.

 

Próximo passo: alojamento. E a mesma dúvida de sempre: hotel ou apartamento (grandes grandes fãs do Airbnb por aqui...)? E em que zona ficar quando queremos visitar um país inteiro em três dias? As primeiras reservas foram feitas em hotéis na zona de Marsaxlokk, mas o conselho de quem vive por lá mudou-nos para Floriana (literalmente à porta da capital, Valletta), e não podíamos ter escolhido melhor. Todos os autocarros da ilha passam por ali, e estávamos a cinco minutos a pé do porto e do centro da cidade. A cozinha do apartamento acabou por não ter grande uso, mas a escolha foi acertada.

 

Finalmente, chegou a parte mais divertida da pré-viagem: começar a ler sobre o país e decidir o que queríamos visitar. Foi rapidamente, nas nossas viagens iniciais, que percebemos que museus não são a nossa praia (exceção feita ao Newseum, coisa mais perfeita do mundo, e mais uns poucos), e que tempo bem passado pode ser simplesmente ficar duas horas a olhar para o mar. Também já sabemos que gostamos de andar a passear por cidades, a cruzar ruas e ruelas. Os imperdíveis estavam assentes: Valletta, Mdina e Marsaxlokk iam estar no menu. O resto (a ilha de Gozo, a costa e mais uma ou outra cidade) dependeriam da nossa disposição e do tempo - que ameaçava pregar partidas.

 

(Guia para ver o melhor de Malta em dois dias)

 

Ao mesmo tempo que eu pesquisava arduamente os locais de interesse de uma ilha inteira, o companheiro de viagem desenhou para si uma única missão: descobrir que jogos de futebol havia nesse fim-de-semana de novembro. Parece que em Malta é regra haver jornada dupla em cada estádio e isso é uma coisa muito interessante. Ficou apalavrado que, quando chegássemos, logo decidíamos o que fazer (quem é que eu quero enganar? Sabíamos bem que íamos acabar no estádio).

 

O dia da partida (para Madrid) chegou. Esperavam-nos quatro horas de sono num hotel junto do aeroporto e um voo, na madrugada seguinte, que nos ia permitir aproveitar o dia todo em Malta. Claro que as coisas nunca correm como é esperado e apesar de sim, termos aterrado na ilha pouco depois das 9 da manhã de um sábado, termos chegado ao apartamento às 10 horas e termos visitado um pouco de Valletta antes da hora de almoço, uma tempestade deixou-nos na box durante o resto do dia e tornou "três dias completos em Malta" em dois dias e um bocadinho, "se tivermos a sorte de parar de chover".

 

Mas tenho de vos dizer: até duas horas em Malta valeriam a pena.

 

Voo (ida e volta, por pessoa): 50 euros (de Madrid, Ryanair) + 44 euros (para Madrid, Easyjet)

Alojamento (por noite, para duas pessoas): Floriana, 35 euros / Madrid, 50 euros

Transporte: Passe ilimitado 7 dias, 21 euros / Passe 12 viagens, 15 euros

Four days in New Orleans without gaining (too much) weight

French Quarter

Our traveling dynamic is very complementary and as soon as we define a destination we know exactly what each of us has to do. I do a lot less - I usually just find out what sporting events are scheduled for that period. Sarah does a lot more: she searches cultural attractions and restaurants, turning Google Maps into a tool with more stars than the Milky Way.

 

She likes this job but it has not always been that way. Because we have such different appetites - and by different, I mean that I am capable of driving anyone crazy by rarely being hungry - she had some problems in the past, with the uncertainty about where and when we would eat. Starting to look for restaurants as a homework was a smart survival maneuver that greatly improved our days.

 

And why does this all matter? Because for New Orleans, for the first time, I was assaulted by a voracious appetite. Food was what attracted me the most in the city of the Mississippi's mouth. The problem? I had no idea what Louisiana's traditional food was: I had no memory of ever hearing of po' boys, the beignets of Café du Monde, or gumbo and jambalaya. The reason is silly: the movie Chef (2014) by Jon Favreau. In a nutshell, it's the story of a respected chef who loses his temper and decides to start from scratch with a food truck. It starts in Miami and the second stop is New Orleans.

 

I actually watched the movie twice (the second time with Sarah) and I started to associate New Orleans with good food - leave me alone, I'm sure there are weirder people out there.

 

Four days with a gastronomic route in our heads

Café du Monde's beignets

New Orleans is a magnificent city. Still, the intense heat and high humidity made wandering very difficult and we noticed it as soon as we landed... at night. Taking advantage of the jet lag, we decided to book a visit to the Oak Alley Plantation (one of the must-see sites in the city and surrounding area) for the morning of the first day.

 

The meeting point was in a hotel not far from the Café du Monde and we decided to have breakfast (the famous beignets) there, while we waited for the shuttle that would take us on that trip of about an hour.

 

We can feel the vibe of the city even when there is hardly anyone on the street. On the way from the house we stayed in to this hotel, we cross the French Quarter and everything is still being clean. The bars are open, there are hoses in the street and the smell may not be the most pleasant, but there is no escape from the festive character of a city that distinguishes itself from the others by not having a last call for alcohol.

 

We thought that the visit to the Oak Alley Plantation, a house-museum that belonged to a French family and sheds a light on the relationship between the owners and the slaves in a sugar plantation, was going to occupy a large part of the day but we returned in time to have lunch and spend the afternoon doing whatever we wanted to.

Slave house at Oak Alley Plantation

We chose the National World War II Museum. It is expensive but it is hard to find a place in the world that shows what happened with this level of detail and accuracy. We are not big fans of museums (though this whole trip might say otherwise) but we were surprised by some of the features offered. To start, we enter a carriage that simulates those that the Americans took to training after the recruitment and we are associated with a military that will accompany us until we leave the museum.

 

I was assigned to Jimmie Kanaya, an American with Japanese parents, who personally suffered because of his family after the attack to Pearl Harbor. At every moment of the museum, I was invited to pass my card on designated machines to learn how Jimmie evolved during that period: from training to detachment, to the prisoner-of-war phase, to liberation, ending with what he has done after the war ended.

 

These figures have been naturally handpicked, but this association makes us feel that each visit is unique and that my experience will always be different from Sarah's or other visitors'.

 

The museum is huge and includes several buildings. If the exhibition of the European conflict is more of a reminder for us, Europeans, than a discovery, the evolution of the conflict in the Pacific shows much more than just the bombing of Pearl Harbor by "evil Japanese" and the nuclear attacks on Hiroshima and Nagasaki.

 

A Katrina hero appears

 

After a busier first day, we reserved the second to get to know the city and, without predicting, one of its figures. During a walk in the French Quarter, we noticed a huge line of people entering a store.

 

The journalistic curiosity (OK, maybe I was just being nosy) made me want to go see what was happening and I confirmed that the queue was about 45 yards long and that those who left the store had a huge smile because of... golden sneakers that Nike had designed exclusively for New Orleans. The euphoria was such that a girl offered to open the box and show them to me after seeing me take a picture.

 

By this moment, I was approached by a fifty-year-old man who was preparing to climb onto his bicycle. "Do you want to hear something weird?" he asks me. "Newseum has my bicycle", he goes on, pointing to the t-shirt I was wearing from the D.C. museum, with the inscription "Will write for food". He explained that he is also a journalist and that during Katrina biked with a fellow worker to the place where they discovered that one of the levees that protected the city had given way. He helped to spread the information and prevent an even bigger tragedy.

Park near Loyola University

This episode helped to prove that in New Orleans you do not need to ask for permission to approach someone on the street. I quickly understood that t-shirts with inscriptions (that was not the only approach of the day) are a gimmick. But sometimes we don't even need it: later, when we were looking for a po' boy place Sarah had in her recommendations, after riding the whole St. Charles Line by streetcar and after a few minutes in the park across from Loyola University in New Orleans, we were the last alternative of someone who needed all the help she could get to carry a broken organ that someone had thrown out between the car trunk and the basement.

 

Everything there seemed strange. We couldn't say no - even if the effort made us all sweaty in a day that could do that by itself even if we stood still - and we stayed there for over half an hour trying to find a solution, with more brains than muscles. Finally, the girl's military neighbor appeared and made everything simpler, freeing us, sweaty, with scrapes, bruises and pieces of wood everywhere, for that long-awaited po' boy by the end the street of that residential area.

Shrimp po' boy

We ended up eating at the same time that LSU, Louisiana's most famous college football team, was playing against one of its biggest rivals (Auburn). We didn't see the whole game, but the in extremis triumph with a field goal to end the match was celebrated all over town, continuing to be a conversation topic the next day during the New Orleans Saints' game.

 

An adventure from one end to the other (almost) on Canal Street

 

After the Saints' game on Sunday, our schedule was completely free to do whatever we wanted to. Usually, this is the time when we just walk, trying to get familiar with what we do not know yet and repeat the places we liked the most.

 

The conversation of the day before still echoed in my head and I was surprised that there wasn't any memorial or museum related to Katrina. Sarah had not discovered anything in the research she did and I decided to search for something using Google Maps. The result: there is a Katrina National Memorial Museum near Canal Street but it's quite far from the busiest area.

 

I convinced Sarah to go there (on foot, a terrible idea) and when we got there we realized why she had not found anything: it was a residential space and seemed to be no more than a small association in a family house. I realized (once more!) at that moment that doing things by impulse does not always go well and we resigned ourselves to return... by streetcar.

Canal Street

Canal Street is the city's main artery and the palm trees give it a tropical touch. The streetcars are an excellent option to see the street from one end to the other (the three dollar-daily pass is well worthy) and to connect to points of interest that are far from the center.

 

At one end, there is a mall next to the Mississippi, overlooking one of the most easily recognizable bridges; in the other, depending on the streetcar you choose, there is the City Park, perfect for a short walk and to take advantage of the free sculpture garden of the New Orleans Museum of Art.

 

The perfect ending

 

The initial plan had reserved the National World War II Museum for the last day. As this chapter was already scratched from the travelogue, we had the opportunity to do what we liked the most: to be in the city as a local, repeating the places we like and creating our own gastronomic route.

 

We had breakfast at Café du Monde - this time we got ourselves a table (at the weekend it is practically impossible but on a weekday it is feasible if you arrive early) - and after that we continued to the commercial area on the left bank of the Mississippi, not to buy anything, but to be on the terrace that has a privileged view of the river.

Jambalaya and two varieties of gumbo

When lunchtime came, we finally tasted jambalaya and two different types of gumbo. It was little past noon, and the waitress got our profile wrong. There, so close to Bourbon Street, noon is almost dawn and those who are awake are likely to be recovering from what they drank the night before. After a little innocent joke saying that Sarah had some really good hangover reflexes (from the way she managed to hold our camera preventing it from falling on the floor), she told us that what we had asked for was more than enough for that "hour of the morning".

 

The dynamics of this day was different. Instead of staying on the street until we got tired, we decided to explore the French Quarter a bit more and stare at some of the stores' windows (voodoo including), before heading home to get some sleep. We did not go out until late afternoon when the sun lowered and the weather was slightly more pleasant. The plan was set: 1) go to a recommended grocery store to buy a shrimp po' boy; 2) go to the Café du Monde to get beignets (yes, again!) and 3) head for the riverwalk while we ate.

Last goodbye

We ended the day and our stay in New Orleans perfectly. For the first time, the heat was not unbearable, there was a nice breeze, the colors looked perfect and we were eating what we liked the most. New Orleans will be missed exactly for that. Out of our plan, this time, was a more intensive exploration of the Cajun country, Louisiana's traditionally French zone, and its swamps - temperatures (and the fear of alligators) spoke louder.

 

Oh, and yes, you can stay four days in New Orleans without gaining weight. It seems that walking an average of five, six miles a day with that kind of weather can do wonders. It couldn't be better.