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Adeus, ano. Olá, ano.

 

Não costumo fazer grandes reflexões no final do ano, nem antever o que vem aí no próximo. Ou não costumava: no final de 2016 isso mudou. Precisava que chegasse outro ano, e urgentemente; precisava de um ano melhor. 2017 foi ainda pior. E, novamente, cheguei ao final do ano e pensei “não, a sério, o próximo tem de ser melhor”.

 

E sabem quando sentem realmente que agoiraram a coisa? O início de 2018 foi terrível. Acho que nunca um ano começou tão mal – às vezes acabaram mal, outras vezes foram maus a meio, houve várias variações, mas nunca era logo de início. Desta vez, os primeiros seis meses chegaram como uma bomba.

 

O tempo passado em urgências, em consultas, em salas de exames, em alas de internamento ou em sessões de fisioterapia foi demasiado. A preocupação, a dor, a tristeza e a falta de opções marcaram o meu 2018, sem dúvida. Mas chego ao final do ano e lembram-me: fui Londres, a Lyon e Genebra, a Sevilha e Gibraltar, andei a passear por Estocolmo e Helsínquia, fui a Paris e estive em Roland Garros, fiz metade da EN2, fui conhecer o Minho e fui à praia em Vigo, morri de calor em Nova Orleães, Atlanta e Miami Beach, fui a Toulouse, a Boston e a Salem e acabei o ano em Madrid.

 

Se aquilo que me dá mais prazer é viajar, terá sido 2018 assim tão mau? Pois. Sim, e não. Não há viagem no mundo que nos tire a preocupação de uma doença de quem nos é próximo, e não há passeio que nos faça esquecer uma cirurgia marcada para o dia seguinte. Sim, fui a Paris e a Estocolmo, mas se tivesse um smart watch ia poder mostrar-vos a diferença de ritmo dessas viagens, feitas em “pós-operatório”, e o normal. Sim, fui, adorei, aproveitei o que podia – mas não aproveitei tudo.

 

Mas 2018 trouxe-me, realmente, um final de ano cheio de boas perspetivas para o futuro. A esperança de, ao fim de dois anos, entrar em janeiro sem ter dores. Um novo desafio pessoal e profissional. Umas poucas viagens, bem escolhidas, que incluem duas semanas no Japão.

Rock On, 2019!

Não tenho dúvidas que ainda vou acordar de vez em quando a suar, a achar que estou no recobro, e que de vez em quando vou ter de parar o que estou a fazer porque a minha perna está estragada, e que vou saltar quando receber uma chamada que não tem razão de ser naquele dia, ou naquela hora. Mas 2019 parece ir ser mais bom que mau, e isso já é um progresso. Cá estaremos para ver se se confirma ou se, mais uma vez, agoirei.

Atlético Madrid. O Calderón pariu um… rato

Wanda Metropolitano

Talvez seja um Velho do Restelo. Talvez tenha sido apenas um dia mau. Talvez não tivesse sido o melhor jogo. Mas o primeiro contacto com o Wanda Metropolitano foi uma desilusão que parece ter destruído todos os ingredientes de magia que enchiam o Vicente Calderón.  

 

Primeiro estranha-se. E depois?

 

O Wanda Metropolitano é um estádio moderno. As bancadas são todas cobertas e o espaço entre cadeiras traz um conforto que não se vê em muitos cantos da Europa. Mas, para já, continua a ser pouco mais do que uma construção recente, sem história, sem magia, sem ambiente que faça recordar os tempos áureos do Vicente Calderón.

 

Durante os últimos anos, o estádio na margem do Manzanares foi alvo de peregrinação frequente. E, com o passar do tempo, foi ganhando um estatuto de estádio especial. Era um estádio à antiga, só uma das bancadas era coberta e as outras três ficavam à mercê do tempo. De chuva a frio polar, passando por calor abrasador, houve de tudo.

 

Mas nunca o ambiente foi mau. A claque do Atlético Madrid assumia-se como líder sem rodeios entre a assistência e o vulgar adepto não se intimidava e acompanhava o passo. O nível do apoio impressionava e, discutindo-se opiniões, ultrapassava em larga margem o Santiago Bernabéu e o Camp Nou. Só o Sánchez Pizjuán (falando apenas dos quatro que conhecemos) ameaçava atingir esse estatuto.

 

O Wanda não teve isso. Tudo ali parece demasiado recente ainda. É como uma casa nova acabada de comprar com a decoração a meio-gás e os próprios acessos a precisarem de afinações.

 

Tão perto e ao mesmo tempo tão longe

 

O estádio vê-se da pista de aterragem de Barajas. Parece ali à mão de semear mas chegar lá promete ser um desafio complexo. A caminhada, direta, supera os quatro quilómetros e não é muito amigável para pedestres. De metro, a perda de tempo é tão grande – obriga-nos a ir quase ao centro de Madrid em consecutivas mudanças de linha – que não compensa. O meio-termo, entre autocarro e caminhada de cerca de dois quilómetros é a forma mais fácil de chegar.

 

No caso, com uma paragem intermédia no hotel, a ida de metro acaba por compensar, até porque há uma paragem no estádio. Aí sim, nota-se a diferença, para melhor, para o Vicente Calderón. Em oito ou nove viagens no passado, o metro raramente foi uma opção, tal era a enchente em estações mal preparadas para dias de jogo.

 

Agora, tudo é à grande. Chega a haver mais gente na plataforma do que em alguns jogos do campeonato português (poucos, vá, mas fica a ideia). Afinal, aquela é uma estação com um único propósito: servir os adeptos que vão ao jogo.

 

Seguir a corrente é tudo o que é necessário para dar com o estádio. À saída do metro, olhamos por cima do ombro direito, e lá está ele, imponente, sem traços distintivos e históricos para já. A maré vermelha e branca tem espaço para andar e divide-se entre a loja, as portas do estádio e o passeio da fama.

 

De Mendonça a Oblak

 

Chamemos-lhe a Hollywood do Metropolitano. Na parte exterior da bancada central, as placas no chão com nomes de jogadores históricos do Atlético Madrid saltam à vista. Têm o número de jogos, o nome pelo qual eram conhecidos, o nome completo, o número de temporadas e a descrição das temporadas em que vestiram à colchonero.

 

Não é preciso ser Sherlock Holmes, nem sequer um familiar afastado, para rapidamente perceber que estão dispostos dos mais antigos para os mais recentes. O primeiro que nos surge à frente é Mendonça, um dos portugueses a alinhar pelo clube de Madrid. «Este é um dos históricos», diz um velho para quem o acompanha enquanto nos estraga a fotografia.

 

Decidimos seguir o percurso. Os nomes portugueses saltam-nos à vista mas, ao mesmo tempo, há referências intemporais impossíveis de ignorar. Há quem tire uma fotografia ao lado da placa de Pantic, na zona em que parece estar toda a equipa campeã em 1996. Antes, uns metros ao lado, há uma enorme aglomeração de adeptos junto a uma placa. 

Placa de Hugo Sanchéz

Será um ídolo? Nem por isso. A placa de Hugo Sánchez merece uma atenção especial, mas nem por isso positiva. A troca para o Real Madrid não é esquecida e os adeptos decidem fazer da placa um caixote do lixo a céu aberto, com copos e garrafas de cerveja ou refrigerantes.

 

Paulo Futre merece uma atenção especial numa coleção que, pelo que conseguimos encontrar, também tem espaço para Simão Sabrosa e Tiago. A acabar, há ainda espaço para nomes mais recentes, com o uruguaio Giménez a surgir sozinho na última fila.

 

Não se esquecem símbolos

 

O Atlético Madrid fez um esforço para não se esquecer dos seus símbolos do passado, mesmo aqueles que optaram por um caminho merengue depois, mas foi lesto a fazer uma mudança do próprio símbolo.

 

A decisão tem meses mas ainda não foi esquecida. O formato, a conjugação de cores e o desaparecimento do verde não caíram no goto dos adeptos e há dois momentos em que isso se percebe bem antes de ir para a bancada.

 

Primeiro na loja. É certo que está cheia de gente em todo o lado mas o canto em que surgem ainda items com o símbolo antigo e referências ao Vicente Calderón parece merecer uma atenção especial por quem lá passa. Depois cá fora, nos postes de iluminação. São vários os sinais de protesto à mudança, com mensagens de que no escudo não se mexe. 

Nada de tocar no escudo...

 

Grupo organizado de adeptos?

 

O Wanda tem capacidade para mais dez mil espetadores do que o Vicente Calderón. E estava praticamente cheio contra o Villarreal mas nem por isso o ambiente foi melhor.

 

Do ponto de vista estético, é um estádio bonito. Pode ter arestas a limar nos próximos meses, ingredientes que só se conseguem com o uso contínuo das instalações, mas é bonito e confortável. Só que não é só isso que importa.

 

Mesmo cheio, não foi capaz de intimidar. E demorámos a perceber exatamente o porquê. Começámos por pensar que era apenas por todo o contexto ser diferente, por não ser o Vicente Calderón. O cantar do hino com a entrada das equipas pareceu amorfo e feito como se não passasse de uma tradição que se tivesse de cumprir.

 

Mais tarde, tudo fez sentido. Todos os cânticos que vinham das bancadas vinham de adeptos organizados em grupo e não da claque, historicamente situada atrás da baliza sul. Ela estava lá, era impossível não ver, mas estava em protesto contra alguma coisa.

 

Durante toda a primeira parte o ambiente pareceu o de um funeral. De tempos a tempos, vários setores do estádio assumiam a responsabilidade e lançavam um cântico diferente, com enfoque especial no hino, mas nunca pegava verdadeiramente.

 

Estava tão mau que, mesmo à nossa frente, e também por causa do nível de jogo, um adepto pôs-se de pé e gritou de forma bastante audível: «Abuuuuurrrrro!». As pessoas riram-se. Não porque tenham achado graça mas sim porque houve uma tendência para concordar com o óbvio: estava a ser um jogo entediante.

 

Se no Vicente Calderón o pensamento obrigatório era «mas por que é que demorámos tanto tempo a voltar cá», ali o «será que isto agora vai ser sempre assim?» assumia uma posição de destaque.

 

O acordar da claque

 

Foi preciso esperar 49 minutos para a claque se fazer ouvir pela primeira vez. Aos 33 e aos 48 houve ameaças, pondo-se de pé e preparando tambores, apenas para se sentar novamente. Ao que foi possível ver, a atividade só começou depois de um homem, vestido de fato e com um intercomunicador ter aparecido atrás da baliza a falar com os líderes.

 

A mudança de ambiente foi quase instantânea mas não resolveu tudo. Talvez porque o estrago já estivesse feito ou, se calhar, porque o próprio estádio pode não ser tão pródigo para provocar o ambiente infernal do Calderón. O certo é que o golo de Correa chegou pouco tempo depois.

 

O público suspirou pelo aparecimento da claque mas não lhe passou um cheque em branco. Num fim-de-semana muito marcado pelas manifestações relacionadas com a declaração unilateral da independência da Catalunha, a claque aventurou-se por um cântico político.

 

Qual foi exatamente não percebemos, até porque foi abafado pelos assobios numa questão de segundos. «Mas por que estão a misturar futebol com política?», indignou-se uma adepta ao nosso lado. Segundos depois, a claque tenta uma segunda investida, apenas para provocar uma reação ainda mais negativa.

 

De facto, só uns minutos mais tarde, com o famoso «que viva España», a claque conseguiu agarrar o resto do público e provocar aplausos e angariar vozes.

 

Tudo muda… menos o resultado

Wanda Metropolitano

 

A estreia no Wanda Metropolitano foi um conjunto de novidades e ataque às tradições mas houve pelo menos uma coisa que não mudou: o resultado.

 

O toque de Midas invertido continua forte e parece prolongar a incapacidade de vermos o Atlético ganhar em casa contra um adversário espanhol. Desde 2007, os episódios foram-se repetindo e todos, um a um, saíram do Calderón sem uma derrota. Começou o Espanyol de De la Peña e acabou com o Villarreal de Bacca, mas pelo meio houve Valencia, Real Madrid e Málaga (no famoso jogo que poderia ter dado título e que valerá uma experiência nesta rubrica em breve).

 

De facto, só mesmo o Malmö e o Galatasaray, em jogos da Liga dos Campeões, ajudam a quebrar a malapata.

As mil e uma formas e razões para ir a Madrid

 

Há quem adore Madrid. Quem tenha uma ligação especial à grande capital europeia que está aqui mesmo à mãozinha de semear. Quem adore as tapas, as compras, os espetáculos e o movimento das ruas. Não é o nosso caso.

Vicente Calderón num dérbi de Madrid

Madrid tem, para nós - ou melhor, para o Rui - um encanto especial, e chama-se Club Atlético de Madrid. É uma paixão assolapada que já nos fez ir mais vezes do que seria normal até ao lado de lá da fronteira. De vez em quando, Madrid tem outros encantos temporários - como a final da Libertadores ou o Mundial de Basquetebol -, que nos fazem visitá-la, mas no fundo, tem sido o Atlético a guiar-nos.

 

A primeira visita que fizemos juntos a Madrid foi em 2013 para ver um Atlético-Real. Olha que clássico. Reservámos o avião, subornámos um amigo para lhe ficarmos com a casa no fim-de-semana e pusemo-nos a caminho, num mês de abril frio como o raio na terra de nuestros hermanos. Dessa viagem as memórias são essas: o jogo e o frio que sentimos. E uma comida terrível, porque ainda não sabíamos da existência da maravilhosa Lateral e não sabíamos como nos alimentar em Madrid.

 

No ano seguinte estávamos cheios de confiança. O Atlético ia ser campeão, ah pois ia, e nós íamos lá estar para ver. Desta vez fomos de carro e ficámos num hotel - afinal o que são seis horinhas a conduzir para um lado e para o outro para ver o clube do coração a ser campeão a uma jornada do fim? O jogo era contra o Málaga e, com o Barcelona a empatar, bastava ao Atlético ganhar para sairmos de Madrid com um daqueles sorrisos que não nos sai da cara durante dias. Infelizmente, não estava escrito nas estrelas: os colchoneros foram incapazes de ultrapassar os malaguenhos e as seis horas de volta para Lisboa, de madrugada, foram um exercício de humilhação, tristeza e frustração. 

 

Mais tarde, nesse ano, voltámos a Madrid. O Rui estava a cobrir o Mundial de Basquetebol que se disputava em Espanha e, depois de uma semana em Sevilha, tinha rumado à capital. Eu aproveitei o fim-de-semana e fui lá ter de autocarro. E deixem-me que vos diga que não foi assim tão mau: é verdade que eu sou uma pessoa de dormida fácil, não há como dizê-lo de outra forma. Aconchegadinha no meu lugar, num autocarro a abarrotar que saiu de Lisboa às oito da noite, não demorei muito a adormecer e a viagem até Madrid fez-se num... abrir e piscar de olhos. Literalmente. Novamente de casa roubada a um amigo, cheguei, dormi o que faltava e quando as horas de acordar chegaram estava fresca como uma alface - e pronta para conhecer o Santiago Bernabéu para um jogo entre Real e Atlético.

Santiago Bernabéu

Desde essa altura voltámos regularmente. Fomos ver jogos da Champions a dois e com companhia extra, conhecemos o Wanda Metropolitano quando o Atlético mudou de casa, fomos de fim-de-semana e fizemos visitas express. Chegámos até a usar Madrid como escala improvisada a caminho de Malta, em que só houve tempo para jantar e dormir umas horas.

 

A verdade é que, apesar de Madrid não ser dos nossos destinos preferidos, não termos especial vontade de visitar a cidade e não procurarmos os melhores voos para voltar, a cidade tem-se entranhando e, volta e meia, lá estamos nós a planear a coisa outra vez. Já sabemos onde estão todos os franchises da Lateral - e já experimentámos uma boa parte deles -, visitámos o Reina Sofia nos dias gratuitos e dormimos na relva do parque do Retiro. Guardamos na carteira o cartão que ainda tem bilhetes de metro que sobraram da última viagem que fizemos, porque sabemos que vamos voltar.

Madrid vestida para o Natal

A única coisa que ainda não sabíamos, mas que agora já aprendemos, é que Madrid é um sítio terrível para visitar no Natal. O movimento das ruas é multiplicado por mil e aquela coisa gira de passear pelas ruas e praças, espreitar as montras e os mercados, torna-se uma tarefa hercúlea - ou mesmo impossível, para claustrofóbicos. E aqui está o verdadeiro significado de Madrid para nós: é a cidade que já visitámos mais vezes juntos, e em que a cada nova visita aprendemos uma coisa comezinha que nos mostra que continuamos a não gostar muito dela, mas que não nos importamos de ir lá dizer olá.

Top-5 de Boston

 

Boston é uma cidade com muito para oferecer e estar a resumir tudo a apenas cinco sugestões pode ser uma tarefa ingrata. A história, as vistas e o desporto surgem num lugar de destaque para uma visita que deve exigir pelo menos quatro dias (inteiros).

 

1. Seguir o Freedom Trail

Freedom Trail está marcado no chão

É como se a própria cidade quisesse fazer um favor aos turistas e indicasse o caminho a percorrer para visitar os pontos mais importantes da sua história. Além de passar por alguns dos sítios mais relevantes na luta pela independência, fica também perto de algumas das melhores zonas comerciais e de restauração, perfeitas para fazer as delícias ao estômago.

 

2. Ver a cidade do lado de Cambridge

Longfellow Bridge é uma das ligações entre Boston e Cambridge

Descobrir a melhor vista sobre Boston é uma tarefa ingrata. A decisão é difícil mas ir a Cambridge, visitar o MIT e o campus de Harvard e aproveitar para ver os edifícios mais altos de Boston do outro lado do Charles River está de certeza entre o top. Uma boa opção para chegar até lá é atravessar a Longfellow Bridge.

 

3. Recordar a história recente na JFK Library

Biblioteca presidencial de JFK

Se são apaixonados pela história do século XX, a biblioteca/museu de John Fitzgerald Kennedy é uma oportunidade perfeita. Através do desenrolar da vida do presidente assassinado, poderão dar um novo olhar a momentos-chave como a luta pelo espaço, a crise dos mísseis em Cuba ou a batalha pelos direitos civis nos Estados Unidos.

 

4. Passear pelos parques da cidade

Public Garden no auge do Outono

O Boston Common e o Public Garden ficam no coração da cidade e são um excelente local para descansar e fazer people watching. Os parques são bonitos em qualquer altura do ano mas se tiverem a sorte de visitar no Outono vão poder apreciar uma mistura de cores memorável.

 

5. Visitar o Fenway Park e, com sorte, ver um jogo dos Red Sox

Fenway Park é um dos símbolos da cidade

Ver desporto em Boston deve ser uma opção mesmo para quem não gosta dele. Como basquetebol e hóquei no gelo podem ser experiências mais… desportivas, sugerimos um evento com muito de sociológico no Fenway Park. Podem optar apenas por fazer uma visita ao estádio de basebol mais antigo da Major League Baseball ou, se estiverem para aí virados, ver um jogo e deixarem-se seduzir pelo ambiente.

Salem - um sábado passado entre bruxas

 

Seguindo a nossa mais recente tendência, quando decidimos ir a Boston passar um fim-de-semana grande em novembro, achámos por bem incluir uma visita a outra cidade. Pela proximidade e facilidade de transportes, e pela data em que fomos – logo depois do Halloween – escolhemos Salem.

Salem ao pôr do sol

Situada a pouco mais de meia hora de comboio de Boston, a cidade é quase automaticamente associada a bruxas, não há como fugir. Grande parte dessa associação vem dos infames Salem Witch Trials (Julgamentos das Bruxas de Salem, em tradução livre) de 1692, em que 19 pessoas foram condenadas à morte por enforcamento, e uma outra pressionada até à morte (é mesmo isso que acabaram de pensar), por estarem envolvidas em bruxaria. E Salem sabe capitalizar essa história, com vários monumentos, lojas e museus alusivos ao tema (as equipas do liceu local chamam-se Witches, Bruxos).

 

Mas a cidade é muito mais do que isso. Foi, historicamente, um porto da maior importância até que os navios, demasiado grandes, deixaram de poder atracar nas suas águas rasas; tem um museu, o Peabody Essex Museum, considerado um dos melhores museus dos Estados Unidos (tem um café e um wifi muito bons); tem aquele que foi considerada “o melhor bairro para compras” do estado do Massachusetts, em 2012; e é muito gira.

Salem é... uma cidade gira

A nossa visita começou de manhã e, tal como já tínhamos feito em Portland, a primeira paragem foi para abastecimento. Mal sabíamos nós que o brunch de fim-de-semana é uma instituição na cidade e que, ainda por cima, tínhamos escolhido um dos “spots” mais na moda: o Ugly Mug Diner. Valeu a pena a espera de 40 minutos para umas maravilhosas panquecas e french toasts (ia escrever fatias douradas, mas chamar “àquilo” fatias douradas seria um insulto aos fins-de-semana da minha infância e aos pequenos-almoços com a minha avó), mas ficámos desiludidos com as nossas canecas. Não eram assim tão feias.

 

Depois de bem alimentados, seguimos caminho pela Essex Street, com a paragem obrigatória junto da Bewitched Sculpture. Até chegar ao Peabody, o que não faltam são lojas e lojinhas que evocam o espírito “maquiavélico” associado à cidade, inclusivamente na Wicked Good Books, “a” livraria lá do sítio.

 

O Memorial relativo aos Salem Witch Trials foi a nossa paragem seguinte, e o primeiro verdadeiro confronto com a violência com que ali – e um pouco por toda a costa leste dos Estados Unidos, como aconteceu noutras geografias – foram tratados os suspeitos de práticas de feitiçaria. O banco com a referência a Giles Corey, e o seu “pressed to death”, é das memórias que provavelmente perdurará.

Salem Witch Trials Memorial

Salem, num move “a la Boston”, tentou criar o seu próprio freedom trail: ali, trata-se de uma linha vermelha pintada no chão que nos leva a vários pontos de interesse na cidade. Não são necessariamente do mesmo tempo, ou do mesmo assunto, e foi assim que passámos do memorial para a frente costeira e demos com os monumentos ligados ao Salem Maritime Historic Site.

 

Estava frio e a proximidade com o mar, sem construções que bloqueassem a brisa, tornava o passeio menos agradável do que poderia ser. Ao mesmo tempo, a neblina criava um ambiente fantasmagórico, que não nos permitia ver a costa do lado de lá, mas que tornava tudo muito propício àquela visita. Ficou a vontade de calcorrear a costa com os seus edifícios antigos e históricos, num dia de sol – mas talvez aí nem nos lembrássemos que estávamos em Salem.

Nós somos mais giros que a vista, ou não?

The House of Seven Gables, cujo romance com o mesmo nome a fez famosa (A Casa das Sete Empenas é o nome em português) foi a nossa visita seguinte; hoje, a casa, uma das mais antigas da zona, é um museu que tenta dar grande uso ao livro que lhe deu fama.

 

Foi mais ou menos nesta altura que a chuva começou a dar sinal e, tentando fugir, demos de caras com o Museu das Bruxas de Salem. Não tínhamos uma imensa vontade de visitar, é verdade. Mas o “Que raio, se estamos em Salem e não vemos nada de bruxas, o que estamos aqui a fazer?” foi mais forte. O problema é que, para fugir à chuva, quase todos os visitantes tiveram a mesma ideia. Acabámos por conseguir bilhetes para a visita que começava cerca de uma hora depois e, até lá, fomos almoçar.

 

E, meus amigos, se não prestaram atenção a mais nada, aqui devem ler tudo com cuidado redobrado: bendita a hora em que visitámos a New England Soup Factory, mesmo a horas totalmente impróprias para almoço. Aquele New England Clam Chowder era de chorar de felicidade por termos tido a oportunidade de o experimentar. É verdade que não somos experts, mas já experimentámos umas quatro ou cinco variedades e nenhuma delas chegou perto daquela que ali nos serviram. Se alguma vez forem a Salem, digam que vão daqui.

Museu das Bruxas de Salem

Seguiu-se então o Museu das Bruxas, muito mais interessante do que se poderia pensar à partida, e agora já com um céu azulíssimo como pano de fundo. A ideia de que um panorama favorável e uma acusação a um bode expiatório podem levar a atos que pensaríamos impossíveis noutras alturas é o mote de todo o museu, que parte da história de 1692 para nos mostrar que “as bruxas” continuam presentes. Só que tomam formas diferentes ao longo dos tempos.

 

Com o frio a apertar, o final da tarde foi passado entre mais lojas, mais monumentos e mais comida: o calor de um crepe é sempre a receita certa para terminar um dia de passeio. A estação de comboio está mesmo ali à mão de semear e, em menos de nada (talvez um bocadinho mais do que isso, cortesia do atraso no comboio) estamos de volta a Boston.

Ver um River Plate-Boca Juniors numa final da Libertadores… em Madrid

Quando as equipas entraram em campo

Quando começámos a viajar não tínhamos uma lista de eventos desportivos que queríamos mesmo ver. Até demorámos algum tempo a perceber que nos encaminhávamos cada vez mais para este tipo de turistas. É claro que a Sarah tinha o sonho de ir ver a Gales a Cardiff e eu já tinha visto vários jogos de praticamente todas as modalidades, menos futebol americano, nos Estados Unidos antes de a conhecer, mas nas viagens a dois isso não foi necessariamente um tópico de conversa no início.

 

Não tínhamos uma bucket list de desporto até… a ter. NBA, basebol e futebol americano nos Estados Unidos foram desejos naturais e ver o Mundial de Râguebi era uma semente que crescia na Sarah há alguns anos mas de resto foi uma tábua rasa. Este ano fomos finalmente a Roland Garros e continuamos com uma etapa do Tour no canto do olho. Mas ir a uma final da Libertadores nunca foi sequer um tema de conversa até novembro.

 

Os desejos nascem quase todos por acaso, mesmo que haja razões para isso. Haver um River Plate-Boca Juniors abriu o apetite para a Libertadores e li que em 2019, pela primeira vez, ia haver uma final a uma mão, disputada em campo neutro. A primeira edição será em Santiago do Chile e falei com a Sarah sobre a possibilidade de um dia podermos ir. Mal sabia eu que três semanas depois ia cumprir um sonho que nunca tinha tido.

 

A história correu jornais mas vou recapitular: a segunda mão da final entre os dois históricos rivais da Argentina estava marcada para 24 de novembro mas o autocarro do Boca Juniors foi atacado à chegada ao estádio do River Plate e chegou-se à conclusão que não havia condições para jogar. Depois de um adiamento de algumas horas e outro de um dia, a opção recaiu em organizar um jogo num estádio neutro… em Madrid.

 

Os bilhetes mais baratos, a partir dos 80 euros, apesar de serem um bem com enorme procura, eram uma pechincha perante a dimensão do acontecimento. Durante os dias seguintes – até à hora em que vinte mil lugares ficaram finalmente à venda – comecei a tentar recrutar companhia.

 

A Sarah vinha comigo a Madrid, claro, mas não estava interessada em ver o jogo, até porque comprarmos dois bilhetes juntos seria ainda mais difícil. "Vai estar muito frio", acrescentava. O meu primo, pai de duas filhas e com gémeas a nascer antes do Natal, também torceu o nariz: “E ser carne para canhão? Tenho quatro filhas para criar!”.

 

Apreensão moderada e euforia desenfreada

 

A compra do bilhete foi o momento mais stressante das últimas viagens. Mesmo quando apareciam lugares disponíveis, era impossível selecioná-los ou surgia depois qualquer erro que deitava tudo por terra. Por isso, quando finalmente chegou a confirmação final, não consegui evitar uma euforia inédita.

 

Faltava uma semana para o jogo e as reações foram diversas. A minha mãe, habitualmente ultra apreensiva com tudo, demorou a reagir quando lhe disse que ia a Madrid ver a segunda mão da final da Libertadores. Pausou por uns segundos, percebeu o que era de facto aquele jogo e soltou um: “Aaaah… isso são aqueles malucos?!”.

 

Outros tinham reações mais secas. “Mas eu li que o River Plate se ia recusar a jogar. Achas que vai haver mesmo jogo?”, foi uma conversa que tive mais do que uma vez. Claro que ia haver jogo. Não podia não haver jogo. Era uma oportunidade única e eu tinha conseguido agarrá-la.

 

Os dias que se seguiram foram marcados pela pesquisa de informação. Como ia ser o dispositivo de segurança, o que poderia levar para o estádio, como estaria a rede de metro. A curiosidade aumentava a cada dia e o os minutos que gastava a pensar naquela final aumentavam a cada noite antes de ir dormir.

 

Há onze anos demorei dois dias a fazer o download de um River Plate-Boca Juniors. Agora, ia finalmente estar dentro de um estádio a ver um superclássico. “O” superclássico da final da Libertadores mais ansiada de sempre.

 

Uma capital a abarrotar

Puerta del Sol não tinha espaço para mais gente

Madrid não tinha um palmo de espaço livre. Quando demos uma volta na noite de sábado, as praças estavam a abarrotar e ouvia-se um cantarolar diferente no castelhano que se ouvia. Ao ouvido destreinado poderia parecer tudo o mesmo, mas havia certas palavras que comprovavam que havia muitos argentinos pelo meio.

 

Depois, já perto da Puerta del Sol, ouvimos o “chamamento”. Eram cânticos típicos de claques de futebol que estavam a magnetizar aquela ponta da cidade. Por todo o lado havia adeptos do River Plate, vestidos a rigor. A árvore de Natal iluminada estava vestida com tarjas da equipa e dezenas de adeptos iam dando o mote com vozes mais fortes e chapéus-de-chuva brancos e vermelhos abertos e bem erguidos no ar.

 

Percebia-se que era um jogo ainda mais especial. As críticas à organização de uma final da Taça dos Libertadores na América em Espanha tinham sido muitas mas a verdade é que havia um outro ângulo. Depois da colonização e da libertação, os argentinos tinham cruzado o Atlântico para conquistar Madrid através das suas duas equipas mais carismáticas.

 

Dia de jogo, dia de contrastes

Estação de pinturas faciais

A organização espanhola não deixou nenhum pormenor por pensar. A enorme estrada que passa pelo Bernabéu esteve fechada desde a manhã de domingo e os adeptos do River Plate tinham a sua fan zone a norte, enquanto os do Boca Juniors estavam a sul.

 

Era uma tarde de festa. Havia polícias armados, polícia a cavalo, veículos blindados, polícias caninos. Mas não vimos nenhuma confusão. No lado do River Plate, no meio da estrada, havia uma estação para pinturas faciais, que ainda vi com a Sarah. Depois, ao passar pela zona do Boca, ela ainda viu um momento mais tenso, quando alguns adeptos acenderam tochas e obrigaram à intervenção da polícia, mas não passou disso. Foi facilmente resolvido.

 

As portas iam abrir três horas antes do jogo e foi nessa altura que nos separámos. Mostrei o bilhete, fui sujeito a uma primeira revista e comecei a vaguear pelas portas de entrada para o estádio. As filas já eram visíveis apesar de ainda faltar meia hora para abrirem. Enquanto esperavam, os adeptos cantavam.

Final foi uma oportunidade de negócio para muitos

A preparação do jogo exigiu trabalho. As regras de controlo eram apertadas e não era permitido entrar no estádio com muitos adereços. A solução passou por balões. Durante as três horas, alguns adeptos do River Plate foram distribuindo balões brancos e vermelhos por toda a bancada para dar um efeito verdadeiramente rojiblanco quando as equipas entrassem.

 

(Leiam uma experiência de jogo mais completa no É Desporto)

 

O jogo foi… vibrante. Não foi o jogo mais bem jogado mas valeu a pena. Valeria sempre a pena pelo seu significado mas num jogo com cambalhota no marcador e com direito a prolongamento é impossível ignorar o carrossel de emoções.

 

O desalento de estar a perder foi substituído pela euforia do empate, altura em que ninguém conseguiu manter os dois pés no chão e onde acabei praticamente de lado, só não caindo por milagre. Aliás, todos ali caíram de alguma forma, sem sequer chegar ao chão.

 

A tensão era palpável. Percebia-se o impacto daquele jogo, o desejo obsessivo de bater o rival histórico na conquista do troféu mais importante da América do Sul. Felizmente, acabei do lado de quem venceu. Sentir de perto a alegria, o momento de antecipação, a vibração com o golo e as lágrimas de felicidade a escorrerem pelos olhos de quem ganhou, de quem partilha aquele momento por videochamada com os familiares que ficaram na Argentina, foi especial.

Festa do River Plate no final

Como foi especial assistir ao outro lado já na carruagem do metro a caminho do hotel. Como os adeptos do River Plate ficaram mais tempo no estádio, ainda só havia praticamente adeptos do Boca Juniors. Havia lágrimas também, mas de tristeza. Havia olhares carregados, expressões desoladoras, capazes de criar empatia até com quem há poucos minutos estava a festejar os golos da outra equipa.

 

O desporto, o futebol, a emoção associada é assim mesmo. A felicidade de um acabará por ser sempre a tristeza do outro e raramente há um lado certo da história. É a conjugação dos dois que torna um momento como estes tão importante. Porque se um dos lados fosse completamente indiferente ao desfecho, este não teria significado.

Um dia em Portland (Maine)

 

Como já vos dissemos, a primeira vez que estivemos em Boston juntos foi por apenas quatro dias, e com um frio de rachar, antes de nos pormos a caminho para atravessar os Estados Unidos no California Zephyr. Dessa vez ficou não só a vontade de voltar, com um tempo melhorzinho, mas também um “saldo” de 500 euros, cortesia da Air France por nos ter deixado em terra quando voltávamos, que aproveitámos para comprar viagem de regresso a Boston assim que chegámos a Lisboa.

 

E pronto, estávamos de volta a Boston em setembro de 2017. Claro que o nosso objetivo era ver a cidade com novos olhos, melhor tempo, repetir alguns locais e conhecer outros, mas rapidamente foi crescendo uma nova ideia: que tal aproveitar para visitar outra cidade? A nossa viagem a Boston transformou-se numa viagem à Nova Inglaterra quando incluímos um dia em Portland (Maine) no nosso planeamento.

Portland (Maine)

Só para esclarecer: não tínhamos nenhuma vontade especial de visitar Portland. Pensámos em ir a Providence, Salem ou explorar o Vermont – no final, a comodidade dos transportes até à maior cidade do Maine, e o que fomos lendo sobre ela, falou mais alto.

 

Saímos de Boston às 8 da manhã e, num momento nada típico nosso (a sério), chegámos à estação em cima da hora de partida do autocarro. Depois de uma corrida, lá ocupámos os nossos lugares para a viagem de duas horas até Portland – o exercício até seria bom para a nossa primeira paragem programada na cidade: o Becky’s Diner, uma instituição do pequeno almoço da cidade. As fotografias das panquecas fizeram-nos aguentar a viagem, os três quilómetros a andar até lá desde a estação e a espera que tivemos de suportar. Não desiludiu, mas duas doses alimentariam uma família de seis.

Panquecas do Becky's Diner

Apesar de termos feito o nosso trabalho de casa, e levarmos no telemóvel um Google Maps cheio de estrelinhas, não tínhamos grandes planos para depois do pequeno (grande) almoço. Assim, decidimos manter-nos fiéis a nós próprios e fomos passeando ao longo da costa, até depararmos com um dos vários postos de turismo de Portland. Decidimos entrar para pegar num mapa, mas a coisa não ia ser assim tão fácil.

 

O Rui estava com uma camisola dos Celtics que começou por ser um chamariz de conversa. De repente, uma senhora que deveria ter facilmente 80 anos e que trabalhava no posto começou a falar connosco e a contar-nos a sua vida. Disse-nos o seu nome de casada - Julie qualquer coisa - e contou, a muito custo, o que sofreu enquanto criança à conta do nome de família: Painchaud. Pãoquente, numa tradução literal. Adorou saber que éramos portugueses e recordou que em tempos, há várias décadas, tinha conhecido uns que lhes tinham mostrado as maravilhas da gastronomia portuguesa. Durante aquelas trinta minutos de conversa houve dois denominadores comuns: por que é que nós, portugueses, tínhamos decidido ir ali, e qual era o nome daquele prato que tinha comido há tantos anos e que lhe tinha deliciado o paladar. De repente, a meio do diálogo, soltou um "AH! Feijoada!".

 

Saímos finalmente do centro de informação, já depois de ouvir algumas recomendações da nossa nova melhor amiga, e continuámos pela costa, até aos vários parques de East End, a ponta da península que forma o centro da cidade de Portland. O caminho, ao lado do carril de um pequeno comboio turístico que ajuda a poupar os pés dos viajantes, é fácil de seguir e parece ser também um ponto muito atrativo para os locais. Aquela zona junto ao mar serve para admirar as pequenas ilhas formadas junto à costa, correr, passear os cães ou simplesmente para aproveitar um dos inúmeros bancos de jardim ali instalados.

East End de Portland

É também nesta zona, não muito longe de uma enorme colina muito bem arranjada, com bancos e relva bem tratada, que fica o Portland Observatory. Normalmente, o Rui tem de me convencer para tudo o que implica alturas e desta vez não teve sucesso. Foi sozinho, até lá acima, ver o que rodeia Portland e ter uma vista ainda melhor sobre as ilhas que fazem companhia àquela terra. Uma chamou a atenção: parecia um género de Alcatraz, que tinha sido um dos seus locais favoritos de São Francisco. Lá em cima, havia um monitor à espera de responder a todas as dúvidas: tratava-se da House Island e parecia-se com uma prisão porque era, na verdade, o sítio onde foi instalado o Fort Scamell, uma fortificação que respondeu à necessidade de prevenir ataques durante a guerra pela independência.

 

Portland, ou pelo menos o seu centro histórico, é uma cidade gira. Os edifícios são feitos com o mesmo tijolo vermelho que encontramos em tantos construções da zona, e a proximidade ao mar está sempre presente, seja nos motivos que decoram as montras das lojas, nos sons que se ouvem ao longe, no tempo, húmido, costeiro e, claro, nos cheiros. Aliás, os cheiros de lagosta a cozer são provavelmente a memória mais forte que guardo de Portland. E claro que tivemos de experimentar um lobster roll para o nosso almoço (foi mais um lanche, vá).

Lagostas, lagostas everywhere!

A tarde foi preenchida com um passeio pela Congress Street, a avenida principal onde se encontram os principais monumentos da cidade. Foi aí que encontrámos aquilo que provavelmente não esperávamos: uma quantidade imensa de referências aos imigrantes que chegaram à cidade nos séculos XIX e XX. Num país construído por imigrantes, como são os Estados Unidos, esta referência não é tão comum como se poderia pensar.

 

A visita a Portland, não tendo sido a mais extraordinária que fizemos – ou podíamos fazer –, lançou as bases para o que viria a ser uma tendência cada vez mais nas nossas viagens: aproveitar para fazer uma “day trip” a um sítio próximo. Em Boston, na vez seguinte, visitámos Salem, a terra das bruxas.

Uma experiência de sons e violência patrocinada pelos Bruins

TD Garden na sua versão de hóquei no gelo

Por esta altura já se devem ter apercebido que consumimos – em grande escala – tudo o que é desporto norte-americano. Mesmo em casa, nas madrugadas e aos fins-de-semana, gastamos horas a ver jogos da NBA (bom, aqui mais eu do que a Sarah), de basebol e de futebol americano. Em tempos, mesmo antes de nos conhecermos, cheguei mesmo a ver um jogo de lacrosse indoor quando fui a Boston pela primeira vez.

 

Provavelmente já terão pensado que falta aqui uma modalidade dos big-four: o hóquei no gelo. Para nós, é o patinho-feio. Em Portugal nunca vemos e quando vamos aos Estados Unidos raramente está na nossa lista de prioridades. Afinal, o dinheiro não estica e por muito que queiramos a experiência completa, é sempre preciso fazer opções.

 

Por outro lado, também somos incapazes de dizer que não a um desafio. Em abril de 2017, na primeira vez em que fomos a Boston juntos, havia um jogo dos Bruins logo na primeira noite. A experiência foi muito semelhante ao que aconteceu agora em novembro: fazer o voo, chegar, instalar e sair pouco tempo depois a caminho do TD Garden.

 

O que se espera quando se vai ver um jogo de hóquei no gelo? «Porrada!», talvez fosse a primeira resposta da Sarah. Mais do que a violência das placagens associada a cada jogada, há sempre uma abertura para os jogadores perderem a paciência e sentirem que está na altura de tirar as luvas e partir para a troca de mimos, perante o olhar atento dos adversários e da equipa de arbitragem, que espera um momento seguro para intervir e aplicar a sanção habitual.

Cadeiras amarelas e pretas dominam o TD Garden

Mas um jogo de hóquei no gelo é mais do que isso. A tradição em Boston é grande – os Bruins são uma das seis equipas que estiveram na génese da NHL – e até as cadeiras do pavilhão o comprovam. Sim, se alguma vez se perguntaram por que razão o pavilhão onde jogam os Celtics está cheio de cadeiras amarelas e pretas, é porque o primeiro inquilino do contrato com os proprietários é a equipa de hóquei no gelo.

 

O frio que emana do rinque

 

Os preparativos para um jogo de hóquei não são muito diferentes dos outros. A romaria até à estação de comboio onde está o pavilhão começa horas antes e é impossível não percebermos que há jogo, à conta das centenas de camisolas larguíssimas – especialmente por serem usadas sem as proteções que os jogadores têm – que circulam pelos arredores.

O urso que nos recebe à entrada

Quando subimos as escadas rolantes para a entrada oficial no pavilhão, deparamo-nos com um enorme urso, uma oferta de outras núpcias que deixou o dono sem saber o que fazer e acabou por figurar no anel exterior da bancada. Depois, assim que se passa pelas portas de acesso às cadeiras, há uma corrente de ar frio que nos recorda perfeitamente o que estamos ali a fazer.

 

O público-alvo também é diferente. Aliás, o mais curioso (sobretudo se os jogos forem vistos de “seguida”) é perceber como os espetadores são tão diferentes de modalidade para modalidade. A multiculturalidade do basquetebol distancia-se dos desportos de nichos como o basebol – mais virado para as comunidades latinas – ou o hóquei no gelo. Quando estivemos em Atlanta, por exemplo, vimos mais brancos e latinos no jogo dos Braves do que nos três dias inteiros que passeámos pela cidade.

 

No hóquei no gelo reina o instinto, o grotesco, o animal. No rinque e na bancada. Os festejos por cada placagem mais violenta transportam-nos (como se fosse possível) para o Coliseu de Roma. O público quer golos e vitórias mas está sedento de violência, das jogadas mais agressivas, das pancadas no disco que ecoam pelo pavilhão e que atingem o auge quando entram em rota de colisão com um dos ferros da baliza.

 

O hóquei no gelo é também um desporto de sons. Talvez mais do que qualquer outro. Mesmo sentados na última fila do pavilhão, como caçadores que observam a presa (os Bruins) de longe, não conseguimos escapar a esta sensação. Os patins a cravar no gelo, o impacto das proteções de cada jogador numa jogada junto à parede do campo, os festejos nas bancadas… o disco a embater no poste. E, no auge, a sirene que toca assim que há um golo.

 

É o descarregar de toda a adrenalina. Não é uma emergência – embora o som seja igual à buzina de um grande navio – mas sim o toque de saída para a celebração. Cada equipa tem uma música que passa logo a seguir à sirene, que fica associada diretamente aos golos, e no caso dos Bruins é a Kernkraft 400 dos alemães Zombie Nation. É uma música eletrónica, pouco criativa, mas que se associa na perfeição a todo aquele ambiente. E que fica no ouvido.

 

Passada a euforia, já depois dos festejos e do recomeço do jogo, o comentador do pavilhão faz o anúncio oficial do golo, com o marcador e os autores da assistência. A terminar, religiosamente, solta uma espécie de uivo que é replicado por milhares de pessoas.

Bruins venceram 4-0

Sabem o que dizem do futebol em Portugal como sítio perfeito para descarregar as emoções do quotidiano? Bem, ver um jogo de hóquei no gelo consegue ser ainda mais adequado para libertar stress… nos momentos adequados.

 

A cada intervalo – um jogo tem três partes de vinte minutos – entram os famosos zambonis (uma espécie de trator que garante o estado perfeito do piso), muitas vezes com crianças no lugar do pendura. Assim, num abrir e piscar de olhos, a arena de gladiadores sobre o gelo torna-se num lugar para crianças inocentes cumprirem um sonho enquanto acenam para bancadas que reentraram numa fase de tranquilidade.

 

Resumindo, ver um jogo de hóquei no gelo nos EUA é uma experiência única. Tem momentos violentos mas não deixará de ser uma opção muito interessante, mais não seja para quem tenha algum interesse sociológico.

Uma viagem ao passado à boleia da JFK Library

 

“JFK” é nome de filme, de documentário, de monumento. Para os… menos crescidos, é uma figura que faz parte da história, sem estar demasiado próxima de nós. Afinal, o seu assassinato ocorreu há mais de 50 anos. Por isso mesmo, e apesar de saber da existência de uma biblioteca-museu em seu nome, e de ter alguma curiosidade, nunca pensei seriamente fazer o desvio – estando em Boston – para ir até lá.Átrio envidraçado da JFK library

Os americanos têm esta tradição de ter uma biblioteca-museu em homenagem aos seus antigos presidentes, que começou após a presidência de Hoover (1929-1933). A mais recente já inaugurada é a de George W. Bush, no Texas – a de Obama deverá abrir ao público em Chicago, em 2020.


Além de funcionarem como arquivo para os documentos e coleções presidenciais, estas bibliotecas têm também uma componente museológica, com exposições sobre o período em que o presidente serviu como tal e, muitas vezes, sobre a vida do próprio presidente.

 

É o caso da JFK Library and Museum, erguida em Columbia Point (Boston). Para nós, foi uma surpresa. Sendo a terceira vez que visitávamos Boston, queríamos voltar aos nossos locais preferidos, claro (olá Fenway Park), mas também explorar zonas onde não tínhamos ido até então. A biblioteca fica em South Boston, ao pé do campus da University of Massachusetts, e um bocadinho “fora de mão” do percurso habitual do turista que visita a cidade e se limita ao centro, Cambridge e, eventualmente, Charlestown.

 

Aliás, esse tinha sido o principal impedimento para não termos visitado a zona antes: a viagem ao longo de quatro estações de metro, mais o shuttle gratuito, pareciam demorar demasiado tempo para o que a biblioteca nos ofereceria. Não podíamos estar mais enganados. Primeiro, porque a viagem se faz num instante; depois, porque mesmo que fosse muito mais longe, valeria a pena a visita.

JFK Library and Museum

O edifício em que está alojada não é espetacular, e apesar de eventualmente ter sido erguido num estilo que pretende ligar o intemporal com o contemporâneo, mostra o sinal dos tempos – foi inaugurado em 1979. Isso, no entanto, não é impedimento para se apreciar a arquitetura que contrasta enormemente, no bom sentido, contra a baía de Boston que tem como pano de fundo. Se não fosse por mais nada, já valia o passeio para ver a cidade de outra perspetiva.

 

Mas o verdadeiro encanto está lá dentro, e não é no caldo verde (Portuguese kale soup with linguiça) que servem ao almoço no café. Não façam como nós, que pensámos ver a exposição numa hora. Acabámos por passar lá quase 3h, e provavelmente poderíamos ter ficado mais.


Em dois pisos, somos levados a conhecer a história do miúdo John, do Massachusetts, que se torna jornalista e só depois entra na política, das várias campanhas, para a Câmara dos Representantes e depois para o Senado, e eventualmente para a presidência. E depois entramos naquilo que nos absorve, numa exposição intemporal que fala da crise dos mísseis de Cuba e da conquista do Espaço, mas também do presente norte-americano na altura, da relação com Martin Luther King (que já conhecíamos, depois da nossa passagem por Atlanta) ou da figura de Jacqueline Kennedy.

Pormenor do museu

Discurso da Tomada de Posse

Que nos põe a assistir a conferências de imprensa dos anos 60 durante largos minutos, e nos faz perceber por que é que o antigo presidente é descrito por tantos como um homem cativante, destinado para o cargo. Ao mesmo tempo, vamos apanhando pormenores familiares deliciosos – afinal esta biblioteca tem uma enorme influência, na sua génese e organização, da sua família.


Por mais americanizada que a visita seja – e não tenhamos dúvidas que o é, como em quase tudo o que é feito naquele país e fala de política – cumpre o seu propósito: é um local de educação e partilha e pensamento.

 

Praticalidades
Preço do bilhete: 14 dólares
Horário: 9h – 17h (o último filme introdutório começa às 15h55)
Como chegar: linha vermelha até JFK/UMASS e shuttle (gratuito) #2