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Top-5 de Chicago

 

Chicago está a ganhar cada vez mais fama entre os portugueses e com razão para isso. Pode continuar sem a atração de Nova Iorque ou de São Francisco, mas tem muito para oferecer e ocupa-nos quatro dias – no mínimo – sem grande dificuldade.

 

1. Uma tarde no Milllennium Park

O feijão é a imagem principal do Millennium Park

Fãs de people watching acusem-se! Se o tempo estiver bom, não há melhor sítio para cumprir esta nossa grande tradição do que o Millennium Park, perto da famosa obra de arte conhecida por The Bean. Primeiro, aproveitem para tirar as vossas fotos originais – há sempre uma forma de descobrir um ângulo diferente, seja ao lado ou por baixo do tal feijão – e depois sentem-se num banco próximo. Os arranha-céus estão ali mesmo ao lado mas continuam a sentir a calma de estar no meio de um parque… apinhado de pessoas.

 

2. Um passeio pela zona ribeirinha

O riverwalk é o local ideal para conhecer o (rio) Chicago

Sugestão: parem para comer na Ghirardelli, junto à Trump Tower, atravessem a DuSable Bridge e desçam para o passeio ribeirinho. Os edifícios refletem-se no rio e cada nova ponte tem algo de especial para admirar. Se tiverem força nas pernas, podem subir apenas junto à Union Station, outro marco da cidade de Chicago.

 

3. O roteiro das vistas

A vista que se tem para a cidade, do Planetário

A indecisão faz-nos apontar para duas possibilidades: escolham um dos arranha-céus, entre a Willis Tower e o 360 Chicago, e admirem a cidade lá de cima. Mais tarde, poderão fazer o mesmo mas ao nível do Lake Michigan. O melhor sítio é junto ao Planetário, onde a cidade se parece dispor de propósito para os melhores enquadramentos.

 

4. Uma noite num bar de blues

O Kingston Mines é uma instituição da cidade

A Sarah passou um aniversário no Kingston Mines e deu o tempo por muito bem passado. Conhecer Chicago é também estar a par da sua influência musical e não há melhor bar de blues para o fazer do que este. Vão com tempo e aproveitem para acompanhar a evolução durante uma jam session (aos domingos, a partir das 18h00).

 

5. Um jogo dos Cubs

Vale a pena mesmo só para um terço de jogo

Sim, o desporto também faz parte. Têm os Bulls na NBA (se quiserem recordar como tudo foi perfeito com Michael Jordan), os Blackhawks na NHL, e os White Sox e os Cubs na MLB. Nós gostamos de tudo mas preferimos basebol. Sendo esse o caso, nada melhor do que visitar Wrigley Field, o segundo estádio mais antigo da liga, e as suas peculiaridades. A fase regular vai do final de março ao início de outubro.

Um aniversário no meio de blues em Chicago

Kingston Mines é sinónimo de blues em Chicago

Não dou muita importância aos meus anos. Há bastante tempo que as festas com amigos deixaram de ser costume, e tenho muitas outras ocasiões para jantar com a minha família. Não sinto necessidade de estar presente, e chateia-me solenemente o toque constante do telemóvel.


Junta-se isto tudo à "vontade de comer" e, nos últimos anos, tenho tentado fazer os possíveis para estar sempre fora do país nessa data: não por querer estar fora "a festejar", mas por não querer estar ao alcance de uma chamada gratuita. Tenho sempre uma desculpa perfeita para não atender, ou não responder a mensagens.


Mesmo lá fora (e o lá fora tem sido sempre nos Estados Unidos), não é costume ser dia de festa. Claro que como um docinho, mas quando vou de viagem e não faço anos também nunca o dispenso, portanto não é por aí. Se houver jogo naquele dia, há jogo naquele dia. Se não houver, vai-se para casa porque no seguinte há muito para ver.


Em 2017, a peregrinação levou-nos a Chicago e, pela primeira vez, houve uma espécie de "plano de aniversário": íamos a um bar de Blues. Escolhemos aquele dia meio por ser o meu dia de anos, meio por ser domingo e haver entrada gratuita para a jam session no Kingston Mines, que começava às seis da tarde.

Linsey Alexander conduziu a sessão

O bar é uma instituição da cidade. Tem uma história mais antiga que isso, ligada à companhia de Teatro Kingston Mines, mas surgiu como bar de blues em 1982, quando se mudou para a localização atual em Lincoln Park, no norte de Chicago.


Todos os dias tem pelo menos dois espetáculos, tem uns fabulosos aros de cebola e, naquele dia de abril, quem lá esteve foi apresentado a outra instituição da cidade: Linsey Alexander. O septuagenário, que há mais de duas décadas faz parte do panorama musical da cidade (e tocou com nomes como Magic King ou B.B. King) deu o mote para a sessão de improviso e, com o filho (adolescente) fez as delícias dos que por ali se juntavam.

 

E não eram poucos: a cada minuto havia mais gente a entrar naquele espaço, muitos deles carregados com instrumentos. Afinal, vinham ali não só para ver e ouvir, mas para fazer parte do espetáculo, para mostrarem os seus dotes. O único requisito era: tocar blues.


Aquela é uma experiência imperdível em noite de aniversário ou noutra qualquer: não é à toa que continua, ano após ano, a receber prémios de melhor bar de blues de Chicago. (E mesmo se não gostarem de blues... vão pelos aros de cebola.)

A experiência de uma vida com os Chicago Cubs

 

Gostam de basebol? Não ficamos surpreendidos se a esmagadora maioria das respostas for não. Não é uma modalidade com tradição em Portugal, nem sequer há jogos transmitidos na televisão atualmente. É um desporto difícil de entender e costuma demorar tanto tempo, e ser tão parado, que os mais corajosos acabam por desistir.

 

Por outro lado, não é preciso de gostar de basebol para apreciar uma boa história. E aquela que está por trás do nosso grande desejo de ir ver este jogo dos Cubs em abril de 2017 é uma das melhores que o mundo do desporto já viu.

 

Não era um dia qualquer. Era o dia do primeiro jogo em casa da época seguinte ao título que tinha acabado com um jejum de 108 anos. Gerações inteiras de famílias morreram sem conseguir ver a equipa alcançar um título e em novembro de 2016 tudo mudou. Apaixonados por basebol, ficámos acordados até às cinco da manhã daquela madrugada para ver o jogo decisivo.

Festejos do título de 2016 imortalizados no Sports Museum

A história valia por si mas nós tínhamos uma motivação especial: já sabíamos que íamos estar em Chicago cinco meses depois, na altura do tal primeiro jogo. Poder estar lá, na bancada, seria uma oportunidade única, mesmo que se adivinhassem bilhetes a preço proibitivo. Garantir duas entradas foi uma experiência de stress e sofrimento que dispensávamos, mas a ocasião obrigava a isso.

 

Depois dos bilhetes, o frio…

 

Chicago é uma cidade famosa pelo seu vento. Quando quer, consegue ter um sol espetacular mas quando o tempo é mau, é mesmo mau. Sobretudo ao início da noite, quando o sol de põe e as temperaturas baixas do Lake Michigan são empurradas para a cidade.

 

O jogo prometia uma intempérie sem igual ao final da tarde, apesar de ter sido um dia bastante agradável. Quando seguimos para o estádio, já a temperatura fazia adivinhar uma experiência difícil. Nas imediações do campo, a multidão não dava tréguas e era praticamente impossível ter espaço para andar na rua.

 

As portas do estádio tinham acabado de abrir e, como gostamos de entrar com tempo, para absorver cada pedaço de história, especialmente naquele que é o segundo estádio mais antigo da liga, decidimos avançar. O primeiro desafio foi esse. Os Cubs foram das primeiras equipas dos Estados Unidos a proibir os bilhetes em papel. Para entrar, é preciso ter a aplicação específica aberta no telemóvel (tinha tudo para correr bem numa sociedade como a portuguesa, não tinha?) e os bilhetes validados. Mas, para nós, o roaming era um obstáculo, por isso fizemos um print screen num momento em que apanhámos wi-fi.

 

Avançamos com desconfiança, em portas uma ao lado da outra, e só temos 50% de sucesso. «Mas isto é um print screen?», pergunta uma rapariga que está a fazer o controlo dos bilhetes. A explicação surge sempre com o discurso de coitadinho: «Ah, mas somos de Portugal, viemos de longe, não temos roaming, achámos que podíamos entrar com o print-screen». Há alguma insistência mas a anuência surge depois. Estamos lá dentro.

 

E agora… esperamos

 

O jogo tinha início marcado para as 19h05 mas a organização pedira aos adeptos para irem uma hora mais cedo devido à cerimónia de hastear do banner relativo ao título de 2016. O momento era especial e nós não queríamos ficar de fora.

 

O que se seguiu foi uma experiência rara. O estádio estava muito bem composto mas não demorou muito até aparecer o aviso nos monitores de que, devido às condições meteorológicas, o início da cerimónia ia ser adiado.

 

Sim, mas quanto tempo? A chuva no início começou por parecer inócua mas rapidamente se transformou numa torrente capaz de ameaçar a realização do jogo. Só nos restou… esperar ao frio mas, pelo menos, protegidos da chuva.

 

Os minutos foram passando e nada acontecia. Ao olhar em redor, chegámos à conclusão de que os americanos só podem ser malucos da cabeça. Tudo bem que o tempo em Chicago tinha estado quente nos dias anteriores, mas vermos gente de calções e t-shirt era suficiente para mexer com o nosso sistema nervoso e ter frio por empatia.

 

A fome chegou mas a fila para as barraquinhas abertas ameaçava demorar mais tempo do que o próprio jogo. De qualquer forma, não se perdia nada. Aí, eram eles a perceber que nós estávamos adequadamente agasalhados. «Sim, sou portuguesa, eu vim preparada para tudo», foi uma forma discreta de evitar dizer que não éramos burros o suficiente para vir para um jogo de basebol em abril, em Chicago, à noite, de calções e t-shirt.

 

Festejar uma segunda vez

 

Se há quem diga que um jogo de basebol é aborrecido, agora imaginem estar horas consecutivas num estádio de basebol cheio sem nada para fazer. A organização percebeu isso e decidiu passar o jogo decisivo da final da Liga Nacional da época anterior, com os Dodgers. Não completo, entenda-se, porque ninguém queria ver os bons momentos do adversário.

 

Foi uma experiência coletiva impressionante. Na maior parte das jogadas, a atenção não era grande, mas parecia soar uma buzina coletiva quando se começava a antecipar algumas das jogadas mais importantes. O campo estava vazio mas as bancadas festejavam como se estivessem a ver o melhor jogo das suas vidas.

Em campo continuava... ninguém

Com isto, já passava da hora marcada para o início do jogo e não havia forma de arrancar. Em vez de dar imagens de outro jogo, os ecrãs passaram para a transmissão em direto do episódio de Dancing with the Stars. Porquê? Porque um dos participantes era David Ross, catcher que tinha sido campeão meses antes e que entretanto acabara a carreira.

 

É capaz de ter sido o único momento na vida em que uma pirueta e um passo de dança de difícil execução foram festejados como se de um home run se tratassem, mas David Ross era, ali naquele momento, o espelho da união dos adeptos dos Cubs em torno de um objetivo. Apesar de só ter jogado um ano em Chicago, o veterano tornou-se rapidamente um dos favoritos, e isso estava bem patente ali.

 

Finalmente os passos em frente

 

Os passos de David Ross parecem ter sido o mote para a noite começar finalmente a andar para a frente. Mas não foi tão bom como se esperava e o frio e vento (afinal Chicago é a Windy City) não ajudaram.

 

Houve aplausos, ovações e momentos comoventes, com jogadores míticos de equipas que nunca tinham conseguido vencer um título a fazerem parte da cerimónia, mas pareceu ser feito a correr, perante o desconforto aparente de todos os participantes, sem esquecer que havia ainda um jogo para disputar.

 

Mesmo o erguer do banner, supostamente o momento mais alto da cerimónia, foi traído pelo vento, com o pano a enrolar-se no poste de metal e a demorar muito mais tempo do que o previsto até se desfraldar definitivamente e ler-se finalmente "Chicago Cubs – 2016 World Series Champions".

 

Terminada a cerimónia, foi preciso ainda fazer a apresentação das equipas e o aquecimento dos jogadores, que esperavam há tanto como nós. Feitas as contas, o primeiro lançamento do jogo foi feito às 21h01 (03h01 da manhã em Portugal), depois de uma hora e 56 minutos de atraso.

 

A temperatura tinha caído ainda mais (estava agora nos cinco graus) e o vento tornara tudo mais desconfortável. A cada instante, sentia-se uma muralha de gelo a embater-nos na cara sem piedade e nem o bater dos pés constante no chão de pedra ajudava a manter o corpo quente.

 

O jogo em si seria um fracasso. Não se pode esperar muito quando o desconforto é tão grande que se começam a fazer contas a quantos minutos vai demorar cada metade de inning para descobrir a que horas poderá acabar o jogo.

 

Negociamos entre nós. Mais um inning? Até haver um ponto? Já? Mas vamos sair depois de ter gastado tanto dinheiro? O conforto ganhou qualquer discussão moral e decidimos ir embora no final do terceiro inning.

 

Seguir a corrente

 

Não fomos os únicos. Havia mesmo muita gente a abandonar o estádio. Curiosamente, ao sairmos das portas, os seguranças perguntavam se ainda se ia voltar. Não percebemos logo mas depois fez sentido. A nova loja dos Cubs estava a abarrotar e casacos e cobertores estavam a vender-se a um ritmo alucinante.

 

Decidimos entrar mas apenas para comprar uma bola para a coleção e… aproveitar o ar condicionado quente na cara. Íamos precisar daquele momento para voltarmos a casa em condições.

A prova da fraqueza: abandonar o estádio no quarto inning

No metro, havia adeptos dos Cubs em cada carruagem. Discutia-se o grau de desconforto a que tinham sido sujeitos. Mas sentia-se a felicidade de se ter feito parte de um momento histórico dos Cubs: não do jogo em si mas da celebração desse feito.

 

Depois de três innings no estádio, demorámos outros três a voltar a casa, bem a tempo de vermos os últimos três pela televisão. Parecia impossível mas o ambiente nas bancadas parecia ainda mais desconfortável e o número de cadeiras vazias aumentava a cada paragem.

 

Não foi fácil mas se fosse fácil também não seria para os Cubs. Afinal, aquela era a primeira paragem depois de um caminho que tinha demorado 108 anos.

Quatro dias em Chicago

Perdoem-nos os que acham que uma viagem tem sempre de fugir aos clichés. Que ir a Chicago sem visitar o South Side é um sacrilégio e que nunca conseguimos ver a verdadeira cidade se não conhecermos as suas pessoas - e essas não estão na Mag Mile.

 

Por um lado, nós não gostamos de falar com pessoas - e por isso é que o California Zephyr se apresentou como uma experiência tão fora da nossa zona de conforto - e, por outro, Chicago tem muito para se ver no "beaten path" e o nosso tempo foi limitado. Desculpem-nos, então, por acharmos que ir ao Millennium Park nos traria felicidade (método KonMari aplicado a viagens) e que havemos de voltar e explorar os subúrbios da Windy City.

Lá ventosa, a Windy City é

Como já é habitual, estes dias são "light", um esboço para ser preenchido com outras coisas que vos interessem. Chicago tem alguns dos melhores museus do mundo - gostam de arte? O Art Institute of Chicago deve estar nos vossos planos; História natural é mais a vossa cena? Deem corda aos sapatos a caminho do Field Museum; as opções são imensas - estão na cidade que pode agradar a todos. Gostam de literatura? Não percam a oportunidade de sair um pouco do centro da cidade para ver a casa-museu de Ernest Hemingway.

 

Dia 1

 

No primeiro dia gostamos de fazer uma primeira aproximação à cidade. Para nós, em Chicago, isso significou: explorar o centro (o Loop da cidade, que corresponde também à linha circular de metro - o L - que circunda a área), perder umas horas no Riverwalk e comer Deep Dish Pizza.

 

A primeira é bastante óbvia: quase todas as cidades têm um centro que vale a pena visitar, nem que seja por uma hora. Em Chicago, é aqui que fica o Theatre District, uma série de instituições de jazz e blues e alguma da arquitetura mais impressionante. Imaginam estar numa cidade que parece ser igual a tantas outras mas serem constantemente surpreendidos pela passagem das carruagens de metro em pontes suspensas ao nível do segundo andar de um prédio? Este centro é tudo isto e muito mais.

Chicago Theatre

Façam também um pequeno desvio para visitar a Union Station. A estação de Chicago é uma das mais importantes dos EUA mas, além do mais, tem uma beleza e história inconfundíveis. Sejam ou não fãs do filme Os Intocáveis, serão capazes de conhecer a famosa cena do carrinho de bebé a cair por uma das escadarias da estação. O momento marcou o cinema (apesar de ser inspirado numa outra cena - escadaria de Odessa d’O Couraçado Potemkine de Serguei Eisenstein) e funciona como ponto de atração a fãs de todo o mundo.

 

Depois, o Riverwalk: a Windy City é uma cidade do rio, e do lago. As suas pontes históricas fazem parte da vida, e os arranha-céus que ladeiam as margens do rio, que também se chama Chicago, são uma grande parte da atratividade da cidade. O Riverwalk facilita o passeio, abre as portas do rio e é um espetacular pano de fundo para o que as viagens têm de melhor: o people watching. Para quem não gosta de andar, há uma opção muito recomendada: o Architecture River Cruise. Uma lição sobre a arquitetura da cidade, vista do rio, com todo o conforto de um cruzeiro - dura cerca de uma hora.

A Trump Tower é um dos mais emblemáticos edifícios de Chicago

A Deep Dish Pizza é uma instituição. Esqueçamos as competições sobre qual é o melhor estilo, e quão tradicional é não sei o quê. Não interessa. Em Chicago, têm de experimentar a Deep Dish Pizza (e, já que estamos nisso, façam favor também de experimentar o cachorro à la mode). Qual é a piada de ir a um sítio que tem um prato tão marcadamente seu sem o experimentar? Nós tivemos a sorte de ter companhia para jantar, que escolheu o sítio, mas há uma série de restaurantes na cidade famosos pela sua pizza gorda. Que se come em quadrados, já agora.

 

Dia 2

 

O segundo dia que passámos em Chicago correspondeu também, por acaso, ao meu dia de anos. Para festejar, aproveitámos para ir "jantar" a um histórico bar de blues, o Kingston Mines. Não dá para não recomendar - vejam no site quem toca nessa noite (aos domingos há jam nas primeiras horas) e tratem de ir até lá.

 

Antes, aproveitem o dia para passear em duas outras zonas muito turísticas, mas não por isso menos interessantes, da cidade. A Mag Mile (abreviatura de Magnificent Mile, e vão perceber porquê quando estiverem no meio daquele pseudo-luxo capitalista) corresponde a uma parte da N Michigan Avenue, onde se encontram as maiores e mais caras lojas. É uma artéria principal, está cheia de turistas e não sabe a verdadeiro, mas é imperdível. Ali podemos ver "os" carros de Chicago (antes de chegar lá não sabia sequer que eram uma coisa) e tudo o que de mais peculiar a cidade tem para oferecer.

 

O Millennium Park é também ponto de passagem obrigatório, seja para turistas ou locais. No dia em que chegámos, Chicago - conhecida como uma cidade pesadelo para se viver no Inverno - teve o seu primeiro dia de calor depois do frio. Há seis meses que os habitantes não despiam os casacos e os vinte e poucos graus que se faziam sentir, naquele dia do início de abril, criaram o caos. O ponto de encontro principal foi o Millennium Park, sobretudo junto da Cloud Gate (o famoso “Bean”) - é o sítio ideal para aproveitar o sol e o calor, passear entre as esculturas instaladas no parque e descansar nos bancos, ou na relva. É também, aparentemente, um local muito interessante para sessões fotográficas de casamento.

The Bean, ou The Cloud - feijão ou nuvem?

Bónus? Do outro lado da estrada está o Chicago Cultural Center - meio biblioteca, meio espaço de exposições, com um bocadinho de centro de conferências. Entrámos por acaso, à procura de uma casa de banho, e demos com duas maravilhosas exposições sobre arte e os movimentos civis em Chicago. As exposições vão mudando, mas vale sempre a pena entrar e ver o que está lá no momento.

 

Dia 3

 

Além de ser uma cidade para o rio, Chicago é, como vos disse antes, uma cidade do Lago - o Michigan. É enorme e tem praias, às vezes até tem ondas, e até pode parecer o mar, mas não é. Só que isso não lhe retira interesse nenhum. Nós aproveitámos o facto de estarmos perto da Oak Street Beach para começar, aí, um passeio pelo Lakefront Trail que, sem surpresas, segue a margem do lago ao longo de quilómetros. É um trilho muito concorrido por quem gosta de exercício, seja a correr ou andar de bicicleta ou qualquer coisa mais estranha, e oferece vistas espetaculares.

Chicago vista da Ocean Beach

Uma das paragens mais famosas é a Ocean Beach, muito perto do turístico Navy Pier - depois de Los Angeles, achámos que podíamos passar este à frente -, mas que também tem mesmo ali ao lado o Milton Lee Olive Park. Desportistas, reformados, adolescentes e donos de cães são só alguns dos que se apanham por ali.

 

Já a sugestão para a tarde é desportiva: começa pelo Chicago Sports Museum, no Water Tower Place. É estranho que o museu fique num centro comercial, mas esqueçam a localização e aproveitem o que tem para oferecer: uma série de exposições bem ricas sobre a história dos tradicionais "desportos americanos". A infame "foul ball" dos playoffs da MLB de 2003, ou o que resta dela, está lá. E, pelo caminho, podem testar as vossas competências como batedor de basebol ou quarterback de futebol americano.

A infame bola... no more.

Se quiserem continuar a vibe desportiva, assistir a um jogo dos Cubs, uma das duas equipas de basebol de Chicago, é uma boa opção. Um conselho: levem a sério as previsões do tempo e vistam-se adequadamente (vão poder ler tudo sobre a nossa experiência em Wrigley Field muito em breve).

 

Dia 4

 

Reservámos o último dia para "vistas", mas o meu conselho é que aproveitem para visitar a zona do Planetário e subir ao topo de um dos famosos arranha-céus num dia de céu limpo, se o tiverem.

 

A minha primeira sugestão, então, é para que se ponham a caminho do Planetário, com uma paragem pelo Grant Park. Além de os parques serem sempre fixes, este tem uma escultura (Agora) que vale a pena visitar. Com miúdos, percam uns minutos a jogar às escondidas por entre aquelas pernas gigantes.

A vista de Chicago

Continuem então para este, a caminho do planetário: vão passar pelo Aquário, pelo Field Musem e, um bocadinho mais longe, pelo Soldier Field (estádio onde jogam os Bears). Continuem até conseguirem e, lá mesmo no finzinho, para lá de todos os museus, vão ter uma das vistas mais espetaculares para a cidade. Afinal, é também pela sua linha de horizonte que Chicago é conhecida.

 

Finalmente, e porque o texto já vai longo: vejam Chicago de cima. Os dois melhores locais para o fazer são o Skydeck (na Willis Tower) e o 360 Chicago (no antigo John Hancock Center e que está sempre a mudar de nome).

Chicago vista de cima

O primeiro tem aquela coisa absolutamente aterradora que são as "caixinhas" de vidro que saem da lateral do edifício e vos permitem ter a cidade a vossos pés. Só com uma plaquinha de vidro a segurar-vos, estão a ver? O segundo tem aquela outra coisa absolutamente aterradora que é uma lateral inteira do edifício, em vidro, que se inclina, para vos dar a sensação de estarem deitados sobre a cidade. Enfim, façam a vossa escolha. Para nós, foi o 360 Chicago e, não experimentando essa coisa de que os pesadelos são feitos, recomendo imenso. Fiquem durante algum tempo para absorver os ritmos da cidade à vossa frente: bónus é verem a que horas é o pôr-do-sol e porem-se lá em cima a tempo de o apanharem (os bilhetes comprados online têm 10% de desconto).

A maior aventura ferroviária dos Estados Unidos

 

Não consigo precisar quando foi a primeira vez que ouvi falar sobre o California Zephyr mas tenho ideia que foi durante a viagem que fiz a Chicago em 2012. Faz sentido que assim tenha sido. Foi uma viagem que fiz sozinho, que tive de organizar do início ao fim, que envolveu viagens de autocarro a Indianápolis e Milwaukee e inúmeros convites para companhia.

 

Deve ter sido lá no meio que me cruzei pela primeira vez com o conceito do California Zephyr, uma espécie de “route 66” ferroviária. Um comboio que parte de Chicago com destino aos arredores de San Francisco, atravessando Iowa, Nebraska, Colorado, Utah, Nevada e Califórnia. São dois dias e meio de viagem (a maior rota ferroviária dos Estados Unidos, com quase 4000 quilómetros), com direito a passagem pelas Montanhas Rochosas, por paisagens desérticas e por muito mais de uma beleza natural inaudita.

Olhar pela janela foi o nosso passatempo preferido durante dois dias

A ideia ganhou terreno no meu inconsciente e sabia que, um dia, ia acabar por fazê-la. Foi por isso que, no verão de 2016, comecei a falar com a Sarah sobre a nossa grande viagem aos Estados Unidos do ano seguinte. Já tinha partilhado este objetivo com ela há mais tempo (conhecemo-nos praticamente em cima da minha viagem em 2012) e só nos faltava conseguir definir um roteiro que nos agradasse e, ao mesmo tempo, fosse economicamente sustentável.

 

Começámos a estar sempre em cima dos bilhetes de comboio – procurando uma divisão com beliche, com o conforto necessário mas sem ser muito cara – e, ao ver a oportunidade perfeita, avançámos. É difícil explicar a adrenalina que se sente quando se está a partir para uma aventura deste género, a euforia de carregar no botão a validar a compra e a natural preocupação de saber que continua a faltar montar tudo o resto.

 

Para nós, não fazia sentido ir aos Estados Unidos apenas para fazer o California Zephyr. Por isso, começámos por estabelecer que íamos ficar uns dias em Chicago antes do dia da partida. Fazia todo o sentido, assim como ficar um fim-de-semana em São Francisco no final da viagem. Tínhamos acabado de regressar da cidade californiana nesse ano, por isso íamos aproveitar apenas algumas horas para repetir o que mais tínhamos gostado e matar saudades.

O nosso primeiro nascer do sol num comboio

A ideia-chave era esta mas a minha paixão por Boston fez-me pensar em aumentar a dimensão da viagem. E se juntássemos um prefixo à viagem, com quatro dias no Massachusetts antes de seguirmos para o Illinois? Era preciso ver se os preços poderiam encaixar no nosso orçamento e, como sempre, não virámos a cara à luta.

 

Para mim, o California Zephyr ia ser a única novidade da viagem. E que novidade! Mas saber que ia poder “apresentar” Boston e Chicago à Sarah tornou-se algo tão importante como a viagem de comboio em si.

Union Station em Chicago

E sabem que mais? Foi perfeito. O tempo pode não ter ajudado sempre mas a viagem de comboio – e tudo o que ela significou – fez-nos sair da carruagem a pensar: “OK, e agora qual vai ser a próxima?”. Passaram dois anos e ainda não houve próxima mas a nossa bucket list continua intacta.

 

 

Voo (ida para Boston, regresso de São Francisco, por pessoa): 687.12eur, KLM
Voo (ida de Boston para Chicago): 49.44eur, American Airlines
Alojamento em Boston (apartamento, por noite, para duas pessoas): 159.75eur
Alojamento em Chicago (hotel, por noite, para duas pessoas): 100eur
Alojamento em São Francisco (hotel, por noite, para duas pessoas): 111eur
Comboio (ida de Chicago para São Francisco, em "roomette" para duas pessoas, com todas as refeições incluídas, por pessoa): 300eur

O que fazer durante uma semana sem fazer nada em Aruba

 

A ideia de ir para Aruba, como o Rui vos explicou, nasceu um bocadinho do ar e da vontade de termos uma semana de praia no final do ano. Depois de cortarmos vários destinos, acabámos por ir parar à ilha A das ABC - Aruba, Bonaire e Curaçao.

Pouca coisa nos faz mais felizes que o mar a 29ºC

Vimos várias opções, mas acabámos por sentir que a melhor escolha para nós - naquele momento específico - era ficar num hotel tipo resort, com tudo incluído, na praia. Mas onde? A capital, Oranjestad, ficava de fora por não ser na praia, mas quase toda a costa "de baixo" da ilha tem opções. A maioria das pessoas fica perto de Eagle Beach ou Palm Beach (esta última conhecida como zona de diversão a todas as horas do dia e da noite).

 

Por culpa das circunstâncias, e de uma promoção do hotel que andávamos a cobiçar por ter quartos a literalmente 20 metros do mar, acabámos por não ficar em nenhuma dessas zonas, mas em Divi Beach. A localização condiciona sempre o que fazemos, claro, mas Aruba é muito acessível, quer através dos autocarros locais, Arubus, quer recorrendo a táxis ou alugando carros - a opção tradicional para quem vai explorar as zonas áridas do norte da ilha.

Há melhor vista de hotel que esta?

No nosso caso, e porque o objetivo era fazer mesmo muito pouco, não recorremos a nada - a não ser a táxis para ir e vir do aeroporto. Da vez em que nos afastámos mais da base, fizemos os três quilómetros até Eagle Beach a pé, pela praia, com muitos mergulhos pelo meio. A ida fez-se bem, o regresso, já batidos pelo sol e com a barriga a dar horas para almoço, foi mais difícil - valeu-nos uma rede pendurada logo à entrada do resort que nos permitiu recuperar forças para os metros finais.

 

Eagle Beach é um sítio incontornável. A areia e a água são tiradas a papel químico dos fundos de ecrã de computador, a mais icónica Divi Tree fica ali e, entre maio e novembro, há a hipótese de ver um monte de tartarugas a eclodir e dar os primeiros passos em direção ao mar (nós não vimos; se tiverem essa sorte, mantenham-se atrás das fitas de sinalização - não sejam idiotas).

 

Para os que não se importam de ir ainda mais longe (ou que, não estando num hotel em regime de tudo incluído, possam passar o dia todo fora sem sentir que estão a "perder refeições" e pagar mais por isso), Baby Beach é outro local de postal, especialmente adequado para crianças. Trata-se de uma lagoa super calma, em forma de meia-lua, completamente abrigada e, por isso mesmo, apelidada de Praia para Bebés.

 

Oranjestad é uma típica capital caribenha, com os seus prédios coloridos - e bem conservados - e traços de arquitetura colonial holandesa. Diz quem aproveita que é ótima para compras, mas convém aproveitar um dia nublado ou chuvoso, o mesmo um fim de tarde, para aproveitar: o calor pode ser insuportável.

Os fins de tarde em Aruba são quase sempre um mimo

Apesar de haver muito mais para fazer (a Quinta de Borboletas é talvez o exemplo mais óbvio que deixamos de fora), acabo com uma última sugestão para os doidos - como nós, que chegámos a considerar usar um dos nossos preciosos dias de praia para isto: ver um jogo de basebol em Aruba. Basta dizer que é um dos desportos mais amados do país e que sentimos um bocadinho falta de sair de lá sem ver umas tacadas.

Como é que se decide ir parar a Aruba em novembro?

Todos os quartos do hotel tinham vista para o mar

Por muito que se decida planear uma viagem até à exaustão, há sempre um momento de impulso no momento em que se toma a decisão. Foi o que nos aconteceu depois do verão de 2017 quando decidimos que queríamos aproveitar os últimos meses do ano para fazer uma semana de praia.

 

As dinâmicas dos nossos empregos há muito que arrasaram a possibilidade de fazer férias de verão – e mesmo que pudéssemos, quem é que quer pagar preços inflacionados? – e desta vez decidimos que estava na altura de procurar algo mais especial. Não necessariamente um destino paradisíaco, mas um que nos permitisse não fazer absolutamente nada durante o período que lá estivéssemos.

 

Se houve coisa que aprendemos em tempos é que as agências de viagens são muito mais úteis do que nos pode parecer a todos – viajantes mais frequentes incluídos. Atenção, não vos estamos a dizer que é melhor comprar uma viagem por uma agência (embora às vezes possa acontecer), mas sim que podem ser preciosas a alargar o leque de opções.

 

Foi o que fomos fazendo a partir de agosto. Visitámos agências de viagens, consultámos folhetos e falámos com operadores sobre o que queríamos fazer. Tinha de ser uma semana de férias – já só tínhamos cinco dias para tirar -, não queríamos perder demasiado tempo em voos, o tempo tinha de ser agradável, a água quente e tudo o resto em que se pensa quando se vai fazer uma semana de praia.

Objetivo era estar uma semana de molho

O orçamento? Bom, o orçamento ia ser mais elevado porque ia ser especial. As dores que a Sarah sentia estavam a ficar mais fortes e ainda não lhe tinha dado uma prenda de anos. Durante semanas, fomos vagueando entre opções: chegámos a ter Saint Maarten praticamente fechado, ainda antes do furacão ter destruído a ilha, mas desistimos a tempo. Vimos Maurícias, Moçambique, República Dominicana e Dubai. E Aruba começou a aparecer no mapa.

 

Aruba cumpria vários pontos da nossa lista. Fazíamos apenas uma escala em Amesterdão, saíamos no dia certo, ganhávamos horas durante a viagem (ir para Ocidente é sempre mais favorável) e o tempo de voo não era muito longo – entre oito e nove horas.

 

Com o destino pré-escolhido, fomos cada vez mais intensos na pesquisa. Vimos os pacotes que agências e operadores turísticos ofereciam e, ao encontrar uma promoção para o hotel que queríamos, percebemos que era mais fácil se fizéssemos tudo isoladamente.

 

Foi uma viagem cara – mas dentro do orçamento estipulado – e compensou cada dia. O nosso quarto era um primeiro andar a vinte metros da água, não havia demasiada gente e o tempo esteve sempre perfeito. Até quando chovia sabia bem estar no meio da água.

 

Viajámos com o regime de tudo incluído mas Aruba oferece outras opções muito mais em conta – algo que analisámos durante as férias e já de volta a Portugal a considerar um regresso. Não faltam soluções de alojamento barato junto à praia, fora dos grandes hotéis, e com supermercados mais baratos por perto.

 

É uma opção a ter em conta e, sinceramente, recomendamos.

 

Voo (ida e volta, por pessoa): 790 euros (KLM)
Hotel (por noite, para duas pessoas, em regime Tudo Incluído): 286 euros

A pior viagem da minha vida

Atlético Madrid-Málaga

Vou confessar-vos uma coisa. Sei que os azares existem mas ainda não houve uma viagem que tenha feito que me faça sentir que não voltasse a fazer. Nunca tive voos perdidos, nunca tive acidentes, nunca fui roubado e, apesar de já ter sido obrigado a ficar de fora de um voo de regresso, a compensação financeira… fez jus ao nome e ajudou a abrir espaço para outras viagens.

 

Por tudo isto, não tenho sequer dúvida no momento de assinalar qual foi a pior viagem da minha vida. Foi em maio de 2014, em Madrid, para ir ver um jogo de futebol: o Atlético Madrid-Málaga. A equipa estava à beira de ser campeã e, como bom sócio (na altura ainda o era), decidi comprar dois bilhetes assim que venceram em Valência, duas semanas antes.

 

Se o Atlético cumprisse a sua parte, vencendo os próximos dois jogos – em Getafe e em casa com o Málaga -, seria campeão. Por isso, aquele jogo de 12 de maio era uma oportunidade única. Até porque qualquer outro desfecho atrasaria a decisão para a última jornada… no Camp Nou contra o Barcelona. Era pegar ou largar, parecia.

Vestidos a rigor

A estratégia estava delineada. Íamos de carro no sábado à hora de almoço, passávamos a noite num hotel – no dia em que a célebre Conchita Wurst venceu o Festival da Canção -, víamos o jogo e voltávamos à noite, pela madrugada dentro.

 

A viagem começou a correr mal antes mesmo de nos fazermos à estrada. O Atlético perdeu em Getafe e o plano tornou-se muito menos infalível. Real Madrid e Barcelona teriam uma palavra a dizer e as contas estavam muito mais complicadas. Ainda assim, naquele dia, tudo podia acontecer: “bastava” que o Atlético vencesse o Málaga e o Barcelona não ganhasse. Ou, num cenário ainda mais surreal, que o Atlético empatasse desde que Barcelona e Real Madrid perdessem.

 

A história parecia jogar contra o Atlético. Não era uma questão de karma, muito menos uma tendência para tudo correr mal quando parece estar ao alcance de um pequeno esforço. É acima de tudo uma grande ironia perceber onde está construído o Vicente Calderón.

 

A nascente, o Paseo de los Melancólicos, paredes-meias com as portas do estádio, batizado pelos moradores por ser um local triste e desolador, capaz de incitar à depressão – isto ainda antes de haver futebol. A poente, o cemitério de San Isidro, que apesar de estar do outro lado do rio é facilmente identificável das bancadas do estádio do Atlético Madrid.

 

O contexto aponta para tristeza e mortes, mas domingo era um dia que se queria de festejos. O Atlético estava a um pequeno passo de um título nacional que escapava desde 1996. O apito inicial estava marcado para as sete da tarde, mas às duas já ninguém conseguia escapar ao ambiente do jogo. O trânsito adensava-se e os lugares de estacionamento eram um bem precioso, o que nos obrigava a procurar a outra margem do rio. Não havia euforia. Não parecia um jogo do título. O estádio ia estar cheio e via-se muita gente com as camisolas do clube – muitas de Simeone e da época em que conquistaram o último título – mas não havia festejos.

Banda que animou as imediações do estádio

Afinal de contas estávamos na tal estrada da melancolia, sentados na sombra da bancada. A contagem decrescente era teimosa, mas uma banda improvisada ajudou a passar o tempo. Os acordes remetiam para alguns dos cânticos mais entoados pelos adeptos e estes respondiam à altura. Quando surgiu o hino, mesmo que com umas notas ao lado, não houve quem ficasse calado. O ritmo puxa por todos e a preparação para o refrão, em crescendo e a puxar por tons heróicos, é a apresentação perfeita para se soltar um “Atleti! Atleti! Atlético de Madrid” mesmo ali a poucos metros de nós e com um eco que aumentava a cada nova voz que se juntava.

 

Parecia capaz de acordar mortos e satisfazer melancólicos. Não havia euforia. Mas havia confiança, havia vontade de fazer história. Já dentro do estádio, o speaker repetia as mesmas indicações de dez em dez minutos: havia bandeiras para agitar, um minuto de silêncio para recordar as vítimas de um acidente em Badajoz e o hino para cantar, mais uma vez, mas sem a habitual música a sair dos altifalantes. E acabava com um confiante “Vamos fazer desta tarde uma tarde memorável!”

 

“Juega cada partido como si fuera el último”, lia-se nas bandeiras brancas e vermelhas que, quando agitadas pelas quatro bancadas do Vicente Calderón, transmitiam uma sensação de não haver uma única alma por ali que não tivesse o mesmo objetivo. Ali, naquele momento, o futebol era a duas cores: vermelho e branco. Na fila da frente, um casal de brasileiros, mais interessados em sentir os lábios um do outro do que em ver o jogo, não eram exceção, mesmo que as camisolas tivessem sido acabadas de comprar numa banca de produtos não oficiais e o patrocínio “Azerbaijan Land of Fire” se tivesse transformado em “Azerbayan Land Off Fire”.

Bancadas vestidas de vermelho e branco

Parecíamos estar numa página de um livro de “Onde está o Wally?”. Sim, toda a gente estava de vermelho e branco, vestida da mesma forma, mas quem é que era preciso encontrar? Quem era o Wally? Quem era o herói da vitória e do título? David Villa não foi. Mas poderia ter sido. Deu início a um festival de oportunidades falhadas – acertou na trave; mais tarde foi Willy Caballero, guarda-redes do Málaga, a negar o golo com grandes defesas para canto. Por todo o estádio havia profetas, não da desgraça, mas da euforia.

 

Eram os que tinham os ouvidos tapados por auscultadores que traziam as últimas novidades do Celta-Real Madrid e Elche-Barcelona. “1-0, golo do Celta”, ouviu-se, dando origem a alguns festejos contidos. Dois minutos depois, o estádio entra em erupção pela primeira vez. Num efeito visual a fazer lembrar a “hola mexicana” festeja-se como se o Elche tivesse acabado de marcar. Afinal, aquele momento provocado pela claque não era mais do que uma reação com atraso ao golo de Vigo.

 

O intervalo chegou com tudo a zeros: em Madrid, com domínio e melhores oportunidades, e no jogo do Barça. “Estão a dominar. O Elche está encostado lá atrás. Acho que não vão aguentar”, diz um homem idoso capaz de pensar que aquela poderia ser a última oportunidade para ver o Atlético campeão. O problema é que mesmo que o Elche aguente, é preciso marcar ali. Não está a ser fácil.

 

A segunda parte é imprópria para cardíacos. A expressão é muitas vezes usada com exagero mas naquele momento é isso mesmo. Os nervos aumentam – dentro e fora de campo – e as oportunidades falhadas levam ao desespero. O Elche até faz a parte dele mas quando o Málaga marca num contra-ataque o estádio cai num abismo. Por alguns segundos, não se ouve um sussurro (tirando um desabafo asneirento bem português que deixa dezenas de espanhóis a olhar para mim) até que, tímida e espontaneamente, voltam os gritos pela equipa.

 

O golo do empate chega apenas oito minutos depois e deixa o Vicente Calderón em estado de empolgamento máximo. Pelo meio, recordam o passado de glória e gritam por Luis Aragonés (três vezes campeão como jogador e uma como treinador), que morreu três meses antes. Logo a seguir, há novo “golo” do Elche festejado.

 

Por muito que se queira festejar, é impossível não procurar os tais profetas para confirmar. «Foi golo do Elche? Foi golo do Elche? Não? Não? Não!» Ainda assim, nada está perdido: “Vamos Atlético. Dez minutos e um golo para sermos campeões!” ouve-se mesmo atrás de nós.

 

Quando o Elche-Barcelona termina, faltam ainda dois minutos dos cinco de descontos em Madrid e está por acontecer o momento que por muito tempo continuará marcado na memória dos adeptos – Adrián recebe na esquerda, flete para o meio, procura o ângulo e... Caballero voa para mais uma defesa fantástica.

 

O fim do jogo é um balde de água fria depressivo. As bancadas despem-se e o Paseo de los Melancólicos enche-se de adeptos. Mas não há festa, não há troca de ideias, não há nada. Quando atravessamos a ponte, um casal mais velho assiste com pena à romaria depressiva. «É incrível. Não se ouve uma palavra. Tanta tristeza», desabafa a mulher. É o silêncio ensurdecedor de uma desilusão.

Paseo de los Melancólicos

Fim da história? Antes fosse. A caminho do carro, parámos num multibanco para levantar dinheiro e… a máquina engoliu o cartão. Perdemos mais de meia hora a contactar o banco – sem grande sucesso – e o regresso a Lisboa foi sendo cada vez mais adiado. Depois, já no meio do trânsito, completamente parado, um homem num carro em sentido contrário dirige-se a nós num tom aparentemente gozão.

 

“Isto não fica por aqui”, diz-me, uma semana antes do tal Barcelona-Atlético e a duas semanas da final da Liga dos Campeões em Lisboa com o Real. “Não fica não, que hoje só páro em Lisboa”, digo-lhe, perspetivando os mais de 600 quilómetros de viagem com o maior melão que o desporto já me proporcionou.

 

Foi a pior viagem, disso não há dúvida. A única atenuante foi mesmo o Atlético ter conseguido conquistar o título em Barcelona. Ainda assim, nunca me vou esquecer daquela madrugada de introspeção.

Guia para um fim de semana em Madrid


Este é capaz de ser o post mais difícil que já escrevi para aqui. É que Madrid, como já vos dissemos, não nos sabe a viagem. Damos lá um pulinho de vez em quando, nunca passamos mais de duas noites, vemos umas coisas novas - ou repetimos as anteriores - e pronto, estamos de volta.

 

Tirando Lisboa (e arredores), é a cidade onde estivemos mais vezes juntos nos últimos seis anos. E, tal como em Lisboa, muitas vezes esquecemo-nos de pegar na máquina fotográfica - por isso é que esta breve prosa, além de difícil, tem pouca imagem.

 

Vamos lá, então, a isso: o que fazer num fim de semana em Madrid? Comecem por estar ficar bem localizados para o que querem fazer: a rede de Metro na capital espanhola cobre a cidade quase toda e é, normalmente, rápida, sim, mas se sabem que vão ver um jogo do Atlético de Madrid e só saem do estádio depois das onze da noite, se calhar não vão querer ficar na outra ponta da cidade. Serve para concertos, jantares, brunches, passeios matinais ou o que estiver debaixo do vosso olho.

Madrid

Madrid é uma típica cidade espanhola, que se vê nas e das ruas. Não faz muito sentido focarmo-nos em grandes monumentos - antes em bairros. A minha sugestão é que comecem por explorar a zona de Salamanca, com as suas avenidas bem vestidas de árvores, lojas em todas as fachadas e movimento a todas as horas do dia. Uma paragem para almoço por essas bandas pode ser a Lateral Velázquez (a cadeia tem mais uma série de restaurantes espalhados pela cidade e são sempre uma excelente opção).

 

Daí, sigam para o Parque do Retiro e passem uma tarde os seus recantos, a passear de barco no seu man-made lago, a observar com atenção os monumentos erguidos naqueles terrenos e a observar as diferentes espécies do Jardim Botânico. Diz quem já experimentou (quem?, eu? Não, eu nunca durmo) que com a mantinha certa e depois de uma viagem de avião madrugadora, o Retiro é também o espaço ideal para uma sesta ao sol.

Puertas de Alcalá

Há uma série de museus na zona que podem querer visitar: o Prado é, obviamente, o mais sonante, mas o Museu de Arte Moderna, o Museu Marítimo ou o Museu Arqueológico Nacional também estão nas redondezas. Se realmente seguirem este guia para um fim de semana sugerimos apenas que deixem o Rainha Sofia para o domingo, já que a entrada é gratuita entre as 13h30 e as 19h00.


No dia seguinte comecem por explorar a zona da Calle Fuencarral e o bairro da Chueca. A zona gay da cidade é também uma das áreas mais trendy de Madrid, e a zona para ser engolido entre as lojas mais concorridas. Pode ser caótica, por vezes (nunca, em tempo algum, recomendaremos a Calle Fuencarral na altura do Natal), mas as manhãs de domingo conseguem ser agradáveis. A creperia La Rue é uma pit stop perfeita para pequeno almoço, brunch ou lanche.


Se seguirem a gravidade vão desembocar na Gran Vía, e daí ao Mercado de San Miguel é um passinho. Atenção! Pode parecer terrível e turístico. Se for esse o caso - e se for esse o caso, vão notar à distância - virem à esquerda a caminho da Plaza de Santa Ana, onde encontram ótimas opções para almoço. Se parecer calminho, entrem, cheirem, provem e tapeiem a vosso gosto.

Museu Rainha Sofia

Sigam agora para o Museu Rainha Sofia, mas evitem seguir sempre pela Calle de Atocha - as ruas e ruelas que a cruzam são muito mais interessantes. Se gostam de arte contemporânea, não apressem a visita e não corram diretos ao Guernica (está na sala 206.06, já agora). Há muito mais para apreciar, ou não fosse um museu com uma escultura de Roy Lichtenstein à porta. Uma única nota: não é possível entrar com mochilas e malas grandes - há cacifos, levem moedas.

 

Se o vosso tempo acaba aqui, nós percebemos - normalmente não temos sequer tantas horas. Caso contrário, que tal um jogo de futebol? O Real joga no Santiago Barnabéu, na zona norte do centro. O Atlético mudou-se em 2017 para o Wanda Metropolitano, nos arredores da cidade - há metro até lá.

Wanda Metropolitano

Viajar é uma experiência pessoal. Ninguém o pode fazer por nós

Cada pessoa segue o seu rumo numa viagem

Os Estados Unidos não são apenas o nosso destino preferido, são também o destino que nos fez perceber da melhor forma o que éramos enquanto viajantes. Quando conheci a Sarah, ela nunca tinha ido lá. Achava que não ia gostar e só aceitou ir comigo por uma solução de compromisso.

Nos três anos anteriores eu tinha somado viagens diferentes, sempre com o desporto em mente. Tinha feito Los Angeles em 2010, Boston e Nova Iorque em 2011, e Chicago, Milwaukee e Indianápolis em 2012. O destino seguinte seria Washington, com a possibilidade de aproveitar a proximidade geográfica de Filadélfia para acrescentar mais um destino.

Foi nesta altura que a Sarah interveio. "Se vamos fazer essas duas, acrescentamos Nova Iorque". Para a Sarah, que não via grande sentido em visitar os Estados Unidos, fazia ainda menos fazê-lo sem passar por Nova Iorque. A cidade não me tinha deixado grandes recordações mas cada pessoa experiencia uma cidade de maneira diferente.

Se não há pessoas iguais, também não há viagens – nem destinos – iguais. Eu não tinha gostado de Nova Iorque, mas a Sarah podia gostar. Eu não tinha gostado em 2011, mas poderia gostar numa segunda vez, com ela, e fazendo outras coisas. A verdade é essa: a sensação com que saímos de uma cidade pode não passar de uma grande lotaria. Fatores como o tempo, as pessoas com as quais nos cruzamos, o sucesso da escolha do sítio onde dormir ou das atividades a fazer podem provocar um desfecho radicalmente diferente após uma viagem.

Conclusão? Adorámos Washington. Gostámos muito de Filadélfia. E não gostámos de Nova Iorque. Dois anos depois, quando juntámos Los Angeles e São Francisco na mesma viagem, os testemunhos que ouvimos foram todos ao encontro de uma ideia: as pessoas gostavam da segunda e perguntavam-se por que é tínhamos decidido ir à primeira. Conclusão? Confirmaram-se as teorias favoráveis a São Francisco mas também gostámos muito de Los Angeles, mesmo que não seja fácil explicar porquê. É talvez aquela cidade que melhor personifique a ideia "parece sempre pouco tempo e ficamos com a sensação de que não a aproveitámos devidamente".

Não me interpretem mal. É claro que as recomendações importam. Não há novo destino que escolhamos sobre o qual não tentemos reunir o máximo de informação possível, tanto na internet como junto de pessoas que conheçamos que já lá tenham estado. O que nunca fazemos é escolher, ou deixar de escolher, uma viagem por causa disso. Acontece o mesmo sempre que falamos de Nova Iorque a outras pessoas. Nós não gostámos. De todas as cidades que já visitámos nos Estados Unidos, foi a única que nos deixou sem desejo de voltar, mas nunca aconselhámos alguém a não visitar apenas por causa disso.

À espera que o sol se ponha no Griffith Observatory

Viajar não é uma ciência exata. Não há uma fórmula que deve ser seguida para aproveitar o destino ao máximo. Há quem diga que a cidade deve ser conhecida profundamente e que isso só é possível ao travar conhecimento com os locais. Mas será apropriado a quem é introvertido? Será que só os extrovertidos conseguem aproveitar devidamente uma nova cidade?

No papel de investigador, o viajante tanto pode ser participante como não-participante. Obviamente que cada modelo tem os seus prós e os contras mas não há uma estrada dourada para o sucesso. A viagem é uma experiência pessoal. Ninguém o pode fazer por nós. Não há nada de errado em querer estar em todos os países do mundo (ou visitar o máximo possível), em percorrer todos os estados norte-americanos – numa ou em várias roadtrips – ou acumular locais que fizeram história no século XX, se isso for o interesse de cada um.

Eu gosto de desporto. Penso sempre numa oportunidade para ir ver desporto, independentemente do destino, mas são os sítios históricos que me fazem parecer uma criança que acabou de ver o Pai Natal a descer a chaminé. Ter chegado à Praça Tiananmen em Pequim pela primeira vez, recordando uma das minhas primeiras memórias de sempre, ou visitado o Estádio Olímpico em Berlim, foram momentos especiais. O mesmo acontece quando vejo os locais icónicos de cada destino pela primeira vez. Ver a Torre Eiffel, o Vaticano, o sinal de Hollywood, a Grande Muralha da China, a Golden Gate, a Estátua da Liberdade ou o Central Park permite-nos, finalmente, situar na realidade algo que nos habituámos a ver desde sempre em fotografias ou filmes. Mais do que ver o sítio em si, permite-nos conhecer de facto o espaço que o rodeia. 

A satisfação de um viajante pode ser alcançada de inúmeras maneiras. No limite podem ser sete mil milhões. Há quem goste da comida e dos mercados, quem aprecie o conforto e a tranquilidade, quem se seduza pelo desporto e quem se renda à cultura. E nenhum está errado. Ninguém nos pode dizer que a forma como viajamos, ou preferimos viajar, está errada.

Viajar tem de ser algo que fazemos por nós e para nós. Termos criado um blogue até pode parecer contraditório a esta ideia, mas encarámo-lo sempre mais como um arquivo de viagens que estamos a compilar para preservação de memória. E foi também uma forma muito útil de começarmos a evitar as perguntas da praxe sempre que regressamos.

Há não muito tempo, a mãe da Sarah admitiu numa rede social: "Já não me dou ao trabalho de perguntar como foi a viagem, sei que uns dias depois estará no site". Parecendo que não, é um grande avanço. As viagens, como os filmes, são experiências que têm de ser maturadas e consolidadas. Responder à pergunta “Gostaste?” assim que a cortina cai é dos desafios mais injustos que podem ser colocados.

Este novo ano vai trazer-nos mais do mesmo: viagens. Entre os destinos que já estão confirmados, vamos atravessar o mundo para ver um Mundial, vamos fazer um cruzeiro para “descansar” e temos uma escapadela europeia para mais um evento desportivo inédito. Como sempre, o ano vai acabar por compor-se com mais viagens, mas este ponto de partida já é um excelente sinal de que não nos devemos cingir a estereótipos e modelos de viajantes.

"Vão fazer um cruzeiro? Não vos imagino nada", disse-me uma amiga. É mais um dos desafios que sentimos constantemente: viajar de maneira diferente e fazer coisas diferentes. Viajar na própria viagem.

Não têm de ser como nós. Não têm de fazer o que fazemos. Têm de descobrir o que vos faz felizes e aproveitar. Só assim uma viagem pode valer a pena. E, como diz o anúncio da NOS, ninguém alguma vez disse “Viajei demais”.