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Os planos da nossa aventura californiana (em São Francisco e Los Angeles)

 

À conta deste texto, estive a tentar perceber qual é a lógica das nossas viagens, especificamente aquelas que fazemos até aos Estados Unidos. A verdade é que acho que não existe grande lógica.

 

Enfim, depois da nossa primeira viagem - em que visitámos Washington D.C., Nova Iorque e Filadélfia (esse relato há de chegar) - começámos a pensar onde podíamos ir a seguir. Claro que o Rui votava em Boston, mas, lá no fundo, sabia que não fazia muito sentido repetir tão cedo essa viagem. Até porque ir para aquela zona era continuar ali no cantinho nordeste, e havia muitos Estados Unidos para ver.

O Griffith Observatory em Los Angeles proporcionou um pôr-do-sol perfeito

Por outro lado, eu andava com alguma vontade - depois de me ter apaixonado pela capital americana, também muito ao estilo europeu - de conhecer São Francisco, a "cidade europeia" da costa oeste. Não foi preciso dizer duas vezes ao Rui, que começou logo a pensar em juntar Los Angeles à história - já lá tinha estado mas a cidade deixa sempre uma sensação de que não aproveitámos tudo.

 

Já sabíamos que queríamos ir em abril (porque passar o aniversário ao pé de pessoas é muito chato), e o passo seguinte foi ver os calendários desportivos. Aí, a viagem começou a ficar escrita na pedra. Os Lakers fariam o último jogo da época a 13 de abril e havia grande hipótese - disse-me o Rui, claro, acham que eu sabia disto? - de Kobe Bryant se despedir nesse dia.

 

Numa jogada nada nossa (cof cof), ainda sem passagem de avião comprada, já tínhamos "na mão" os bilhetes para a partida. E logo a seguir, para o jogo entre Warriors e Spurs. O nosso calendário começava a ficar definido ainda sem sabermos muito bem como, condicionado pelas escolhas dos jogos que queríamos ver. Os Giants jogariam mais cedo; os Dodgers podíamos encaixar depois.

 

Faltava só o voo. Durante várias semanas (meses?) vimos religiosamente o preço das passagens até São Francisco, ou até Los Angeles, ou indo para uma e voltando para outra. Os preços não estavam péssimos, mas também não estavam excelentes. Finalmente, num golpe de sorte - quando já tínhamos decidido que, caso não houvesse alteração, avançávamos no final do mês - a KLM decidiu incluir São Francisco numa promoção: 399 euros por pessoa, ida e volta? Tinha o nosso nome escrito.

As comparações com a de Lisboa são inevitáveis

Com a viagem agora mais definida, e a decisão de ir e vir do mesmo sítio, faltavam-nos os pormenores: em que dia iríamos de São Francisco para Los Angeles? Como faríamos a viagem? Onde ficaríamos alojados?

 

Decidimos que o trajeto SF-LA-SF seria feito de autocarro, para poupar uns trocos. A viagem para sul ia ser de noite (menos uma diária para pagar); o regresso durante a tarde, para vermos alguma coisa da supostamente espetacular paisagem californiana. Não, não alugámos um carro para fazer a Pacific Highway - talvez numa próxima vez; e sim, ficou-nos a faltar a paisagem espetacular. 

 

Os sítios para pernoitar também começaram a "cair do céu": um anexo espetacular no Mission District, em São Francisco; um apartamento em Chinatown - mesmo ali à beirinha do estádio dos Dodgers -, em Los Angeles... e, finalmente, um hotel baratucho em San Bruno, muito perto do aeroporto, para a noite antes do regresso a casa.

 

Os nossos doze dias na Califórnia começavam a ser muito reais.

O fim da linha em Los Angeles

Voo (ida e volta para São Francisco, por pessoa): 399 euros

Autocarro (ida e volta de São Francisco para Los Angeles, por pessoa): 10,75 dólares

Alojamento em São Francisco (por noite, para duas pessoas): 103 euros

Alojamento em Los Angeles (por noite, para duas pessoas): 77,2 euros

Alojamento em San Bruno (por noite, para duas pessoas): 85 euros

Quando a velocidade-cruzeiro nos ajuda a abrandar a vida

O preço-base de um cruzeiro não é muito diferente do que temos nos serviços básicos de televisão, por exemplo. É um valor que serve de chamariz mas a empresa percebe que o cliente não se vai sentir satisfeito com tão poucos canais. É como se quiséssemos comprar um gelado e o preço fosse apenas o do cone. Depois, passo a passo, vamos juntando as bolas de gelado, as coberturas e até a garrafa de água para não ficarmos com sede no final.

 

A filosofia de quem vende um cruzeiro é semelhante. As empresas sabem que o público-alvo dificilmente se vai contentar apenas com o quarto sem janela e sem serviços extra, por isso aquilo que começa por ser uma oferta tentadora, acaba por compor-se numa viagem que exige um esforço financeiro maior.

E o prazer de ler à beira da piscina?

O problema, deles e não nosso, como já vos escrevemos antes, é que nós não somos propriamente o público-tipo de um cruzeiro. Nunca duvidámos disso mas a cada novo passo que nos faziam dar, íamos confirmando cada vez mais que aquele mundo era diferente do que estávamos habituados.

 

O pacote de bebidas é capaz de ter sido o primeiro sinal. Sim, temos sempre comida para dar e vender no buffet e num restaurante, mas as bebidas não estão incluídas. Ou melhor, as bebidas alcoólicas, os cocktails, os refrigerantes e os sumos naturais não estão incluídos. Mas a água e alguns sumos, de máquina, fazem parte e são mais do que suficientes para nos manter hidratados durante os dias.

 

Depois, o wi-fi. Sim, hoje em dia é cada vez mais complicado resistir às tentações da internet e de nos mantermos ligados a qualquer hora, sentindo sempre que podemos estar a perder alguma coisa – sobretudo uma notícia (heranças do jornalismo, faz parte) – se não confirmarmos as nossas redes sociais, especialmente o Twitter, de tempos a tempos.

 

É à conta desta tendência que os valores do serviços de internet no cruzeiro são ainda mais caros do que poderíamos pensar. O mais básico, lento e com acesso a apenas algumas aplicações, exige o pagamento de 34,99 dólares pela semana. O mais caro ultrapassa a centena de dólares, para um dispositivo apenas. Se gostávamos de ter tido internet durante aqueles dias? Claro que sim. Se trememos? Nunca. Logo nos primeiros dias percebemos que estar offline foi uma das melhores coisas que nos podia ter acontecido.

 

Não vos vou mentir. É difícil saber que está a haver eventos desportivos sem saber como ficaram. A televisão do quarto tem ESPN – por isso sempre dá para nos mantermos a par dos desportos americanos, das principais ligas de futebol europeias e do torneio das Seis Nações -, mas é insuficiente para saber o que vai passando em Portugal.

 

Custa mas, vendo bem, podemos sempre aproveitar a chegada a cada porto caribenho para aproveitar o wi-fi de um bar ou de uma loja para, apesar de a velocidade ser muito lenta, nos pormos a par do que se está a passar.

 

Termos definido que o wi-fi seria um luxo acessório melhorou – em muito – a qualidade da nossa viagem. Hoje em dia, a internet promove o imediato, faz o tempo passar mais rápido, rouba-nos tempo para fazermos as coisas com calma. Durante aqueles dias, sempre que estivemos em mar alto, a velocidade-cruzeiro ajudou-nos a abrandar a vida.

 

Não perdemos tempo com redes sociais a ler coisas efémeras que rapidamente caem no esquecimento mas que nos provocam um tique viciante de continuar a procurar mais e mais para ler. Ao contrário do que muita gente diz, as pessoas não leem cada vez menos, leem apenas cada vez pior.

 

Durante estes dias, em vez de ler milhares de tweets descoordenados que não obedecem a uma cronologia natural ou a temas exclusivamente interessantes, tive tempo para ler quatro livros. Adormeci melhor e acordei mais cedo, sabendo que não me tinha deixado levar pelo gesto viciante que nos faz procurar por «e agora, o que estarão as pessoas a dizer?».

 

Ao colocar um preço exorbitante no wi-fi, explorando um vício cada vez mais presente no ser humano, o cruzeiro fez-me um favor. Permitiu-me ver que, sobretudo durante uma semana de férias, a internet é um luxo acessório muito longe de ser fundamental. Poupou-me dinheiro, tornou os nossos dias mais calmos e enriquecedores e deu-me capacidade para aproveitar melhor cada hora de umas férias onde o objetivo era apenas descansar.

 

Nunca pensei que seria também uma forma de desintoxicar da internet e das redes sociais mas acabou por ser uma cereja no topo do bolo. Um luxo pelo qual não tive de pagar. Afinal de contas, uma vida simples e calma tende a ser demasiado subvalorizada.

Uma semana pelas Caraíbas - de cruzeiro

MSC Armonia

Confesso que tinha emoções contraditórias em relação ao nosso cruzeiro nas Caraíbas. Claro que estava entusiasmada - ou não o teria marcado e oferecido ao Rui como prenda de anos - mas, ao mesmo tempo, a incerteza sobre como correria aquela semana punha-me ligeiramente de pé atrás.

 

Tentei, quase exaustivamente, ler tudo o que consegui sobre o assunto. Corri fóruns e blogues especializados e li as várias notícias sobre a chegada do nosso barco (desculpem, navio) a Miami, para a sua viagem inaugural nesta rota que passava por Havana. Falei com quem já tinha andado nestas andanças. No final, no entanto, não consegui afastar a sensação de que ainda havia muito inesperado - a solução foi abraçar esta viagem como o que ela sempre foi: uma semana de descanso.

 

Se não gostasse dos portos, se o desembarque fosse caótico, se o tempo fosse apertado, se o sol não brilhasse, ia sempre ter muitas horas para dormir e um livro para me fazer companhia durante o tempo em que estivesse acordada.

 

Miami

 

Como todos os especialistas aconselham, chegámos a Miami no dia antes da partida (e agora que escrevo este texto, penso: ainda bem; a informação que nos deram era de que o soltar das amarras era às 19h00, quando afinal foi uma hora mais cedo). Nunca se sabe bem qual o humor das companhias, e os voos para atravessar o Atlântico não são assim tantos por dia. Já tínhamos estado na cidade em setembro, e não íamos com muito tempo para turismo, por isso decidimos que as horas passadas por lá iam ser o início real das férias: em paz e sossego.

 

Reservámos um hotel muito perto do porto, para onde fomos diretos do aeroporto - mesmo a tempo de ver o início da Super Bowl - e, depois de uma noite bem dormida, aproveitámos a manhã para um passeio antes de rumarmos ao terminal F, de onde sairia o MSC Armonia, a nossa boleia para a semana.

 

Fizemos o check-in por volta do meio-dia (abençoada a hora, porque 20 minutos depois o balcão onde encontrámos meia dúzia de grupos a embarcar estava afogado em pessoas), sem saber quando poderíamos entrar. As boas surpresas começaram logo aí: o barco já estava a receber os passageiros. Entrámos, fizemos uma exploração rápida para criar um mapa mental do barco (que se apagou rapidamente) e assentámos arraiais num dos bares, à espera que o nosso quarto ficasse pronto. O resto do dia foi passado entre a piscina, o adeus aos Estados Unidos, o buffet - o nosso melhor amigo, e... o exercício de segurança obrigatório.

Exercício de segurança obrigatório

Durante vários minutos, ficámos presos no nosso ponto de evacuação - bastante explícito no cartão que abre a porta do quarto - e ouvimos as instruções em várias línguas - inglês, italiano, castelhano, francês, alemão e português - sobre como se põe o colete salva-vidas. E... foi só isto. Com coletes postos e uma meia hora depois, recebemos guia de marcha e ficámos novamente independentes. Sugestão: sejam proativos e levem logo os vossos coletes (estão no quarto) para o exercício, em vez de estarem a descer e subir escadas desnecessariamente.

 

Dia de Navegação

 

O primeiro dia a sério do nosso cruzeiro era também aquele que eu mais temia - não ia haver porto para atracar. Estávamos confinados àquele espaço, com os seus 2500 passageiros, durante mais de 24 horas. Os meus receios eram completamente infundados - como dizia o Rui, já no final da semana, isto para ser perfeito era um dia de navegação entre cada porto novo, para descansar.

A primeira aurora no cruzeiro

Ainda com o jet lag a bombar forte, acordámos antes das seis da manhã. O nascer do sol (de que nos mantemos sempre a par com o diário de bordo, entregue todas as noites no nosso camarote, onde além da previsão meteorológica estão descritas todas as atividades do dia) estava marcado para um pouco antes das sete, o que calhava mesmo bem. O Rui ficou a preguiçar e eu levantei-me, preparei-me, tirei as fotografias possíveis no 12.º andar - porque nem num barco as vertigens me abandonam - e rumei ao meu primeiro pequeno-almoço. Uma semana depois, ainda é disso que tenho saudades. E do sol. E do calor.

 

A piscina não estava incrivelmente cheia: por um lado, porque há uma certa população que nunca parece sair do casino e do teatro e, por outro, porque o vento constante que se faz sentir impede que se tenha muito calor - e, portanto, que se ocupe a piscina a tempo inteiro. O maior problema de um cruzeiro, pelo menos às oito da manhã, é perceber onde queremos pôr as toalhas. Ali levamos com o spray das crianças, ali com a sombra da varanda; ao segundo dia, já estávamos profissionais. E, apesar de um ou outro 'marcador' de cadeiras (cof cof portugueses e italianos), a verdade é que nunca nos faltaram espreguiçadeiras.

 

Entre a dose muito necessária de vitamina D - que este inverno em Portugal tem estado muito pouco simpático - e o nosso querido buffet, o dia passou a correr. Às seis e meia jantámos e ainda não eram oito da noite quando adormecemos. Se isto não são férias a sério, não sei o que serão.

 

Montego Bay (Jamaica)

 

A primeira paragem do nosso percurso foi em Montego Bay, Jamaica. E a ideia era clara: só queríamos ir à praia. Apesar de não ter o trabalho de casa muito bem feito, o meu guia de viagem - que foi espetacular nas Caimão, mas já lá vamos - dizia-me que o sítio para estar era a Doctor's Cave Beach, e para aí apontámos agulhas.

Praia na Jamaica foi um excelente aperitivo

O problema em Montego Bay é que a maioria das praias não são públicas e, por isso mesmo, são de acesso pago. Isso transformou a nossa paragem na Jamaica na mais cara de toda a viagem - pagámos 14 dólares (ida e volta) por pessoa para ir do barco até à praia – há shuttles à espera dos passageiros assim que o cruzeiro chega e taxistas ansiosos para recrutar clientes no regresso –, mais 6 dólares cada para entrar na praia. Mas depois vimos aquela água e esquecemos isso tudo.

 

Estamos em fevereiro, não esperem banhos tépidos. Apesar de estarmos nas Caraíbas, a temperatura da água vai mudando - nós devemos ter apanhado uns 26 graus: confortável para nadar, mas não necessariamente para ficar quatro horas de molho. Mas aquela cor de água não sofre grandes alterações, e para quem está a ressacar com falta de mar, como nós estávamos, não há melhor. Pelo meio, o bar da praia ia passando músicas de Bob Marley, algo que deve ser constante mas que naquele dia foi mais do que adequado por se tratar do dia do seu nascimento.

 

A nossa paragem devia ser de seis horas mas, numa jogada que foi recorrente em todo o cruzeiro, chegámos mais cedo e tínhamos, na verdade, sete horas atracados. Esse era outro dos meus problemas com o cruzeiro - será que vai saber a pouco? Vamos fazer tudo a correr quando chegarmos aos locais a visitar? A verdade é que não. Para isso, ajudou que só quiséssemos fazer praia - não andámos a correr de um lado para o outro, a tentar aproveitar tudo. Chegámos, demorámos meia hora a chegar à praia, ficámos quatro horas - até nos dar a fome - e voltámos, tranquilamente, duas horas antes da partida do barco, sem sentir que tivéssemos perdido alguma coisa ou sido apressados de alguma forma.

 

George Town, Ilhas Caimão

 

George Town foi a nossa paragem preferida e o sítio onde eu percebi que odeio barcos. É estranho dizer que se gostou muito de um cruzeiro e que se odeia barcos, mas a verdade é que estes navios, com milhares de pessoas, parecem mais um prédio que por acaso está a andar no mar do que um barco. Já os barcos que nos levam até ao porto em George Town - porque a profundidade do mar faz com que o navio tenha de atracar ao largo - são uma história muito diferente. Enfim: conseguirei suportar outra vez aqueles 20 minutos de aflição se, no final, me esperar a 7 Mile Beach.

Monumento às mulheres pioneiras nas Ilhas Caimão

Como foi norma, chegámos antes da hora, e isso aqui jogou muito a nosso favor. A maioria dos nossos vizinhos preparou-se para sair do barco às oito da manhã, tendo ido buscar a sua senha para o barco que fazia a ligação a terra mais cedo. Nós fizemos ao contrário: fomos comer, descansadamente, e às sete e meia tratámos de nos dirigir para a saída. Apesar de só termos senha para o barco número 5, entrámos no primeiro, que a tripulação estava desesperada por encher: os madrugadores das senhas estavam a refastelar-se, longe dali.

 

Ainda não eram oito quando chegámos a terra e, com o tempo meio farrusco, decidimos dar uma voltinha antes de nos fazermos à praia. Havíamos de encontrar um táxi pelo caminho; o que encontrámos, no entanto, foram galos. Há galos em todo o lado, pelo menos na Grande Caimão. Galos nas estradas, galos nos passeios, galos na praia. Um fartote. Foi também durante este passeio que demos com a estação central de mini-bus - porquê ir de táxi quando o autocarro estava mesmo ali à mão?

 

Os bilhetes dos autocarros são 2.5 dólares (ou 2 dólares das Ilhas Caimão) e têm várias rotas. Se pedirem com jeitinho, os motoristas levam-vos ao aeroporto, mesmo quando não faz parte do percurso original - foi assim que fomos dar uma volta extra, em vez de irmos direitos à praia - e, além disso, apanham-vos em qualquer ponto da estrada, com ou sem paragem. Vão dar por eles, porque vos apitam se estiverem descansados a andar na rua.

 

Os amigos que fizemos a voltar para o barco, na Jamaica, tinham-nos falado de uma parte específica da 7 Mile Beach que recomendavam: mais a norte, longe da multidão que ficava logo no início da praia, o trecho em frente ao Calico Jack's Bar and Grill. E nós até pensámos em seguir o conselho, mas o nosso abençoado Lonely Travel falava de uma zona, imediatamente antes, "muito sossegada": Governor's Beach. E era isso que queríamos. Se não gostássemos, andaríamos para norte até encontrar caras conhecidas.

É fácil imaginar um futuro nas Ilhas Caimão

Nunca chegámos a andar até lá - saímos do autocarro em Governor's Beach, demos uns passos para a direita e encontrámos o nosso lugar, perfeito, entre duas áreas reservadas para hotéis. Com as nuvens ainda a tapar o sol, éramos os únicos ali - e mesmo quando o sol começou a queimar-nos a pele, a maior parte das pessoas que víamos passava por nós ao andar para cima e para baixo na praia. Perto, só uma família com três miúdas pequenas, que pareciam estar a aprender a nadar.

 

A 7 Mile Beach é a praia de que são feitos os sonhos. A areia é fina, mas não se agarra demasiado à pele; a água é absolutamente cristalina, e quente; as multidões estão muito longe dali. Durante toda aquela manhã, passada entre mergulhos e conversas, a ideia constantemente presente nas nossas cabeças era: "Quando é que podemos voltar aqui?".

 

Foi com a barriga a dar horas que voltámos: ao chegar à estrada, não esperámos dois minutos pelo autocarro. As notas azuis de dólar das Ilhas Caimão, que nos deram de troco, são o que guardamos como souvenir da nossa ilha preferida.

 

Cozumel, México

 

A minha desorganização desta viagem mostrou-se em todo o seu esplendor em Cozumel. Não tinha feito o trabalho de casa, não sabia onde havia praia e não me apetecia muito sentar-me à porta do Starbucks - que está logo ali à saída quando atracamos em Punta Langosta - para apanhar wifi e procurar. Afinal, Cozumel é uma ilha: quão difícil é encontrar um bocadinho de areia em frente ao mar?

Passeio marítimo em Cozumel

Aparentemente, mais difícil do que parece. Cozumel é um destino de mergulho. As excursões são viradas para isso, os locais oferecem-se para nos levar até aos melhores spots e o meu espetacular guia só falava nisso. Nem uma mençãozinha a uma praia de areia onde pudéssemos aproveitar para dar um mergulho. Decidimos então que, em vez de seguir o conselho dos simpáticos guias turísticos presentes para apanhar um táxi até uma praia, íamos andar pela costa até encontrar um sítio bom o suficiente.

 

Spoiler alert: não encontrámos. Andámos cerca de dois quilómetros para norte, sempre com o mar ali ao lado a fazer-nos pirraça. Passámos pelo ferry para Playa del Carmen, pelas lojas pejadas de turistas, e chegámos finalmente à entrada para o aeroporto. Pelo caminho, três míseros beach clubs, com mais relva que areia, não nos tentaram a ficar.

 

Foi nessa altura que o meu pé decidiu mostrar-me o quão estúpida estava a ser: tinha andado mais do que devia com chinelos de borracha comprados por 1.99 euros. Não ia dar para continuar. Decidimos dar-nos por derrotados e voltar para o barco, mas não sem antes molhar o pezinho - eu não podia sair do México sem pelo menos ter experimentado a temperatura da água. Curiosamente, assim que tomámos essa decisão, o dia ficou exponencialmente melhor.

 

Afinal, estávamos de férias: por que é que tínhamos de nos meter num táxi e andar 10km até uma praia? Tínhamos sol e calor ali mesmo, e a piscina do barco até era agradável - ainda mais, sabemos agora, quando está toda a gente a passear fora do barco. Gostámos tanto da experiência de ter o barco ali só para nós que, dois dias depois, havíamos de repeti-la.

 

Havana, Cuba

 

O nosso percurso tinha, como atração principal, um fim-de-semana em Havana. As restrições de viagens para Cuba, para americanos, são aquilo que se sabe (na verdade, nunca se sabe muito bem, mas pronto), mas, mesmo com o apertar de algumas regras, há progressivamente mais navios a atracarem em Havana vindos dos Estados Unidos. Era o caso do nosso - e a razão de estar de muitos dos nossos companheiros de viagem, que noutras ocasiões não teriam escolhido uma companhia europeia para se passearem nas Caraíbas.

Capitólio cubano é uma marca de Havana

Para nós, Havana era só um final mais interessante para uma viagem que inicialmente ia ser de praia, mas passou a ser também cultural. O problema é que, embarcados em Miami, tivemos de cumprir as regras aplicadas a americanos e inscrever-nos em duas excursões (o equivalente a uma excursão de dia inteiro) que nos iriam levar a conhecer "as pessoas" de Havana. Ora, isto vai radicalmente contra aquilo em que acreditamos - perder-nos nas cidades, ao nosso ritmo, e enquanto queremos.

 

Resignados, e até com uma ligeira esperança de que aquilo podia ser giro, desembarcámos em Havana para a nossa primeira excursão, um tour por Havana com passagem num mercado de artesanato. Já no dia anterior tínhamos percebido que talvez tivesse sido asneira irmos na excursão que a MSC marcou para nós, em português, mas já não havia forma de mudar.

 

Para não batermos demasiado em quem não merece, vou descrever-vos a coisa sucintamente: para quem percebe minimamente castelhano, é muito difícil acompanhar alguém que acha que fala português, mas não fala. O nosso cérebro vagueia muito mais do que devia. Além disso, aquilo que devia ser um tour de Havana foi uma visita a uma loja de rum e a um centro comunitário. Não houve mercado de artesanato (graças aos santinhos todos, digo eu) e a paragem na Praça da Revolução foi em versão express. E isto durante quatro horas. Era garantido que não queríamos voltar ao mesmo no dia seguinte.

 

Assim, no domingo, último dia de cruzeiro, acordámos cedo e estávamos em Havana, por conta própria, antes das oito da manhã - e antes de o calor apertar. Andámos pelo Malecón, explorámos Havana Vieja e descansámos nos bancos do Paseo del Prado. Quando nos cansámos, voltámos ao barco e aproveitámos mais um dia de sol.

 

O que guardo de Havana? A vontade de voltar e a conversa dos cubanos. "De onde são? De Portugal? Tenho lá a minha prima, em Coimbra!" E ela gosta do país? "Sim, está gorda!"

 

A última noite e o regresso a Miami

 

A última noite passada a bordo foi a mais agitada - e ainda bem, porque se a semana tivesse começado assim talvez eu não tivesse passado da Jamaica. As ondas abanavam o navio em todas as direções (a ponto de ter pensado que ia cair ao tomar banho) e, durante a noite, os barulhos do quarto a ranger eram de tal ordem que me impediram de dormir durante horas.

Wynwood Wall no adeus à viagem

A chegada a Miami estava marcada para as sete mas, como habitual, chegámos mais cedo. As nossas mochilas iam connosco, sem precisarmos de ajuda, o que nos possibilitou sairmos do barco assim que nos despachámos - por volta das sete e meia. Em minutos, depois de termos apanhado o trolley gratuito (e vazio) da cidade, estávamos no centro de Miami, a pensar no que fazer à vida durante as horas que tínhamos até ao voo. A solução foi ir deixar as malas no aeroporto e passear até às Wynwood Walls - com uma bela chuvada pelo caminho. O fim que não precisávamos para uma semana de férias espetacular.

Como é que se decide fazer um cruzeiro?

O momento é solene, exige uma escolha ponderada e muito preparada das palavras. Sabemos que não vai ser fácil responder quando a nossa família, amigos e colegas de trabalho perguntarem qual vai ser a nossa próxima viagem. E é ainda mais problemático quando a iniciativa é nossa e soltamos aquelas quatro palavras capazes de lançar uma revolução nas nossas vidas: "Vamos fazer um cruzeiro".

Vista para Miami, do barco (desculpem, navio!)

"A sério? Não vos imagino nada a fazer um cruzeiro", "Um cruzeiro?! Vocês?!" ou simplesmente uma gargalhada longa sem qualquer palavra associada àquele momento de gozo ecoante foram algumas das reações que tivemos. E, devemos dizer, com razão, foram naturais. Sabemos perfeitamente que não somos o público-alvo dos cruzeiros e, mais importante ainda, os cruzeiros não são a nossa viagem-alvo.

 

Mas, no final, os motivos para a escolha foram mais fortes do que cada desvantagem óbvia que surge até na mente dos que menos nos conhecem. Escolher fazer um cruzeiro nas Caraíbas em fevereiro foi o resultado de uma pesquisa prolongada que obedecia a duas pequenas, mas fulcrais, condições: fazer uma semana de sol sem gastar muito dinheiro.

 

Aruba é uma viagem que não se pode fazer todos os anos por isso começámos a pesquisar qual poderia ser o nosso próximo destino para esta finalidade logo em dezembro de 2017. Os orçamentos exigiam sempre muito de nós – mais ainda neste caso porque seria uma viagem-prenda, neste caso da Sarah para mim – mas fomos adicionando uma lista de interesses. As Ilhas Caimão, com a sua esplendorosa Seven Mile Beach, surgiram no topo.

 

Os meses passaram sem uma decisão. O que gostávamos mais era demasiado caro, o que caía dentro do orçamento não nos garantia a determinação férrea com que avançamos sempre para cada botão de compra. Foi aqui que o cruzeiro apareceu pela primeira vez.

Havana seria um dos pontos altos da viagem

Uma rota nas Caraíbas permitiria experimentarmos várias opções – até para prospeção futura – e o orçamento ficava bastante abaixo do pensado. Decididos, começámos a debruçar-nos sobre os destinos que mais nos interessavam e nem houve sequer indecisão antes de avançarmos para aquele que, começando e acabando em Miami, nos permitiria passar por Jamaica (Montego Bay), Ilhas Caimão (George Town), México (Cozumel) e ficar dois dias em Cuba (Havana).

 

Roçava a perfeição. Não seria só sol e praia como nos interessava no início, mas garantia-nos a passagem desejada pelas Ilhas Caimão e uma muito ansiada mas nunca concretizada ida a Havana. De resto, o cruzeiro seria sobretudo um hotel ambulante com piscina. Foi com essa mentalidade que embarcámos. Sabíamos que estávamos alheados do ambiente próprio de um cruzeiro, mas íamos precisar apenas de uma cama para dormir, de duas espreguiçadeiras ao pé da piscina enquanto navegávamos, potenciando o tempo de sol, e de um buffet que nos permitisse entrar de calções e chinelos e sem grandes arranjos.

 

Tudo o resto, como o casino, o teatro, as festas e animações próprias seriam mais-valias que todos os hotéis têm mas que na verdade nunca utilizamos.

Jamaica

Foi por isto que decidimos fazer um cruzeiro. Ou, como o conceito que a Sarah veio a desenvolver na perfeição, apanhar um cruzeiro.

 

Voo para Miami (ida e volta, por pessoa): 398 euros

Cruzeiro (7 noites, com pensão completa, em camarote interior, por pessoa): 507 euros

Vistos para Cuba (por pessoa): 50 dólares

California Zephyr: atravessar os Estados Unidos de comboio

 

​O post que todos esperavam chegou. Não? Desculpem, pensei que o objetivo único de ler um blogue que fala de viagens era saber tudo sobre o California Zephyr.

 

Passemos à frente.

 

Em abril de 2017, depois de quatro dias em Boston e outros tantos em Chicago, embarcámos no California Zephyr: iam ser dois dias e meio num comboio para atravessar os Estados Unidos até São Francisco (ou quase).

Ó pra ele todo contente a andar de comboio

O Rui já tinha ouvido falar do mítico comboio que era uma espécie de "route 66" ferroviária há mais tempo, mas eu só tinha sabido da existência da coisa um ano antes e desde essa altura, claro, tinha pesquisado freneticamente tudo o que podia sobre o assunto.​ ​Antes de embarcar já tinha visto 10 horas de vídeos no youtube, tinha lido todas as dicas e analisado todas as fotografias para tentar perceber como era a nossa "roomette", onde era o melhor spot para fotografias e, coisa muito importante, o que é que se comia no comboio.

 

A viagem no California Zephyr pode fazer-se inteira, de Chicago a Emeryville, como nós fizemos, aos bocados, ou só uma parte. Serve como atração turística em si, como forma de chegar a outros destinos populares ou como modo de transporte - um dos nossos companheiros de viagem, Ed, estava a voltar a casa, em São Francisco, depois de ter feito a "Med School" em Nova Iorque​: ​o comboio ficava mais barato do que o avião, sobretudo tendo em conta a bagagem.

 

Há ainda outra coisa que influencia muito a viagem que se tem: a "classe" em que se viaja. Ao comprar o bilhete para o California Zephyr tem-se, naturalmente, direito a um lugar sentado em classe económica. Mas para quem faz a viagem seguida, ou tem troços noturnos, pode valer a pena reservar uma cabine. As "roomettes", onde ficámos, são as mais baratas: um compartimento privado, com duas cadeiras frente a frente​ (​com uma janela só para os ocupantes​) ​que à noite se transformam em duas camas tipo beliche. Depois, há, claro, outras opções: para três ou quatro ocupantes, com casa de banho privada, you name it.

 

Além disso, as cabines vêm com um bónus: todas as refeições estão incluídas. Para vos poupar o trabalho sobre o que são "todas as refeições" (o alvo de uma pesquisa intensiva da minha parte), posso desde já dizer que são o pequeno-almoço, o almoço e o jantar. Não, não há lanche. Mas estão dentro de um comboio, não se vão mexer muito, e as refeições são à americana. Mesmo eu, que me conheço e por isso mesmo levei quantidades anormais de bolachas para a fome do meio da tarde, acabei por não comer nada extra.

Paisagens do Colorado

Logística explicada, vamos então à experiência: afinal o que se faz num comboio durante 51 horas? Spoiler alert: não se lê assim tanto.

 

De Chicago a Denver

 

Preparámo-nos para a viagem com dois objetivos: ver tudo o que pudéssemos e não nos aborrecermos de morte. O Rui fez o download de 30 horas de podcasts e afins, eu levei três ou quatro livros na mala (a que vai connosco durante a viagem), tínhamos o nosso abençoado Monopoly Deal e... ficou praticamente tudo sem uso.

 

O comboio partia às duas da tarde de terça-feira (há comboios diários em ambas as direções). Como tínhamos reservado o nosso pseudo-quartinho, t​ivemos​ direito a entrar no lounge da Amtrak - a companhia ferroviária americana - na Union Station, em Chicago. Aproveitámos para ir mais cedo, recordar momentos de cinema, deixar as malas no lounge e tratarmos do último almoço antes de partir, no Five Guys.

 

Voltámos e aproveitámos mais uns minutos de Wifi (não há nada disso no California Zephyr, amigos!) e as bebidas oferecidas no lounge. Algum tempo antes da hora marcada para a partida, fomos chamados para a plataforma. Embarcámos, conhecemos o responsável pela nossa carruagem e fomos à aventura.

A entrada para as plataformas

O primeiro dia (de luz) no California Zephyr, quando se faz Este-Oeste - que, já agora, é a melhor forma de o fazer, pelos horários porreiros e por aproveitarem a diferença horária todos os dias -, não tem muito para ver. As paisagens do Ilinóis são campos e campos e campos de cultivo. Mas, claro, a excitação é mais que muita.

 

Para nós, as primeiras horas foram passadas numa mistura de tentar explorar o comboio, garantir que não perdíamos nada do que se passava do lado de fora da janela (como é que sabemos quando é que uma coisa super excitante vai chegar?) e, eventualmente, comer. O ponto mais interessante daquele primeiro dia foi atravessar o Mississippi e passar a fronteira para o Iowa.

 

As refeições no CZ são feitas em mesas de quatro e, se no vosso grupo houver menos do que isso, vão ser sentados com alguém. Não tenham dúvidas. Esse era um dos maiores medos que tínhamos: somos people watchers, não people talkers. A não ser que seja preciso, não falamos com ninguém nas nossas viagens - ou não falávamos, até nos vermos sentados com a Megan e a Kirstin.

 

Tenho de confessar: o jantar começou tímido. Tínhamos marcado mesa para as 19h00 e o sol estava a pôr-se, o que nos convidava mais a olhar pela janela para apreciar o espetáculo do que fazer conversa da treta com desconhecidas. As primeiras palavras que trocámos, depois do básico olá, não foram grande coisa. Foi preciso chegar um dos empregados do vagão-restaurante para recolher os nossos pedidos para as coisas mudarem.

O primeiro pôr-do-sol

Às três águas que tinham sido pedidas juntou-se "uma água com limão", e a galhofa começou aí. A Kirstin era a nossa princesa e, a partir do momento em que já todos ríamos, a conversa fluiu. Falámos do que estávamos ali a fazer, de como era a nossa vida fora do comboio, do que gostávamos e do que nos tinha marcado. Para as duas americanas à nossa frente, o Zephyr estava a servir para voltar a casa, em Salt Lake City e Omaha, depois de viagens de trabalho.

 

Já não me lembro do que foi o jantar; lembro-me que nenhum de nós chegou a pedir sobremesa antes de, perto das dez da noite, os empregados nos "expulsarem" gentilmente, e com sorrisos na cara, da carruagem. "A conversa pode continuar nos vossos lugares."

 

Não continuou - afinal, havia um nascer do sol para ver no dia seguinte -, mas não acabou aí. A Kirstin ia sair do comboio daí a algumas horas, e trocámos endereços de email. A Megan ainda vimos mais algumas vezes - apesar de não nos termos voltado a cruzar à hora da refeição - e acabou por, um mês e meio mais tarde, passar uma semana em nossa casa. Era o início auspicioso de uma viagem que prometia ser diferente de todas as outras - e foi mesmo.

 

De Denver a Salt Lake City

 

A primeira noite passada a bordo do comboio não foi a mais confortável, mas talvez seja porque estava no beliche de cima e tenho vertigens. Nunca me senti em perigo de cair dali abaixo (até porque há umas fitas giras, tipo cinto de segurança, para o evitar), mas não podemos deixar de adormecer a pensar que temos 60 centímetros de largura para nos mexermos.

 

De qualquer forma, a noite não ia ser longa: queríamos acordar a tempo de ver o nascer do sol na carruagem panorâmica, e foi o que fizemos. Acordámos, vestimo-nos e, pouco depois das seis e meia da manhã, tomámos os nossos lugares. As fotografias não fazem jus ao que vimos - culpem a inépcia para essa arte, ou a sujidade dos vidros, ou ainda o movimento do comboio. Estávamos a entrar no Colorado e a aproximar-nos das Montanhas Rochosas, por isso a paisagem era radicalmente diferente da do dia anterior.

O nascer do sol

Depois de nascer o sol, seguimos para o pequeno-almoço, onde fomos sentados com um casal que só consigo descrever como "muito americano". Infelizmente, desta vez, isso não quis dizer simpático - comemos, falámos da viagem que fizeram a Portugal (visitaram Fátima e acharam o país muito caro, já agora) e, em menos de nada, ficámos sozinhos na mesa, já que iam sair em Denver, onde acabávamos de parar.

 

​A​proveitámos a paragem mais longa, para abastecimento do comboio, para sair também - vimos a estação, a rua principal e voltámos para dentro, cheios de frio: estávamos vestidos para o ambiente aquecido das carruagens, e não para o tempo de altitude das montanhas. A partir daqui, diziam-nos, começava a parte mais bonita da nossa viagem, e queríamos preparar-nos.

 

Quando o comboio saiu de Denver, estávamos a entrar na carruagem panorâmica, envidraçada a toda a volta, que é o melhor sítio para se estar numa viagem destas. Devíamos estar a dizer qualquer coisa não muito interessante, quando uma cadeira à nossa frente rodou na nossa direção: "Are you Portuguese?!".

 

Sim, somos portugueses. E fomos reconhecidos por termos dito a palavra "três", vá-se lá saber como, por uma americana de marido madeirense. Estava, com a filha, a caminho de uma estância termal, para passar uns dias, e era tão expansiva que, em menos de nada, já toda a nossa metade da carruagem falava alegremente sobre "o Senhor Peixe" (o sogro) e partilhava doces e bolachas. Havia também o rapaz que sabia umas palavras em português porque tinha tido "umas namoradas brasileiras", Ed, o estudante de medicina a caminho de casa, e ainda o pai e filha polacos, que viemos a conhecer melhor ao jantar.

 

A verdade é que a partilha daquele momento, em que finalmente começámos a seguir ao longo do rio e a neve começou a dar um ar de sua graça, tornou tudo ainda melhor. Estávamos ali todos juntos, basicamente, porque queríamos ver tudo o que pudéssemos, e o espírito de camaradagem transformou-nos num grupo de amigos que fazia a viagem junto.

A primeira neve

A paisagem começou a ficar cada vez mais impressionante, e inacessível. "Aqui só se passa de comboio ou de barco", disseram-nos várias vezes ao longo do percurso. O Colorado estava a mostrar-se no seu melhor. Ao final da tarde, já depois de termos aproveitado um tempo morto ao nível da paisagem para tomar um banhinho (fazer isso enquanto o comboio anda não é nada fácil, sobretudo num compartimento tão pequeno) deu lugar ao Utah. A paisagem é radicalmente diferente: o branco dá lugar ao laranja e as montanhas são substituídas por desfiladeiros e enormes planícies.

 

Naquela terra de ninguém – que inclui a passagem por uma cidade-fantasma, cheia de rouloutes e casas pré-fabricadas abandonadas – não se vê mais do que uma estrada sempre em reta, utilizada na sua maioria por camiões que transportam mercadorias. Por esta altura, paramos durante alguns minutos em Grand Junction, uma terriola no meio do nada que nos oferece pouco mais do que uma loja turística, alimentada pelas paragens do nosso comboio, e a ideia de quão afastados do mundo como o conhecemos aquelas pessoas vivem.

 

O regresso ao comboio foi feito já com o pôr-do-sol a caminho. Depois de termos tido um almoço mais estranho com um canadiano pouco falador, não estávamos em pulgas para jantar, mas o estômago falou mais forte.

Utah

Bela altura escolhemos. Ficámos sentados com os tais pai e filha polacos, com quem, apesar de tudo, não tínhamos conversado muito. Tínhamos percebido que, ao longo da viagem, a filha ia traduzindo o que era dito - e foi isso também que fez durante o jantar. O pai é um apaixonado por comboios e, depois de uma série de viagens - que incluíram o Transiberiano -, estava finalmente a concretizar o sonho de atravessar os Estados Unidos no California Zephyr.

 

Éramos dos poucos europeus na carruagem e trocámos histórias. Quisemos saber mais sobre a Polónia, daquela família de Lodz, e fomos surpreendidos com a forma tímida como nos aconselharam um roteiro de coisas a fazer caso escolhêssemos Varsóvia ou Cracóvia.

 

«Dois dias para Cracóvia, e mais um dia para... bem, temos um sítio, Oświęcim, carregado de história, onde os alemães tiveram um campo para onde levaram muitas pessoas, um campo de concentração. Se isso vos interessar, o meu pai recomenda que o façam no último dia de viagem, porque vão a ficar a pensar no assunto durante dias, semanas». Foi um momento que nos marcou. Antes de nos dizer isto, os dois pareceram debater sobre se deviam ou não fazer esta recomendação, se seria apropriado. A própria forma como nos disse, como se a falar de algo que ignorássemos, marcou.

 

Estávamos a falar d​e Auschwitz com outro nome [ou mesmo: com o seu nome], como se nunca tivéssemos ouvido falar deste sítio.

 

De Salt Lake a Emeryville

 

Nova manhã, novo nascer do sol. Como ​ganhamos uma hora a cada noite que passa, é sempre relativamente ​fácil acordar a horas de ver as paisagens mais deslumbrantes na penumbra da manhã - não é tão fácil tirar fotografias.

 

Descobrimos que, por causa das cortinas, conseguíamos melhores imagens na nossa cabine privada, por isso acabámos por passar este dia, como é nosso costume, mais sozinhos. O cansaço também se acumulava. Mais do que nunca estávamos a viver em função do dia solar. As paisagens ​eram​ tão impressionantes que sentimos uma pressão absurda para não tirar os olhos da janela desde que o sol nasc​ia​ até ao segundo em que se p​unha​. Mais tarde ou mais cedo, a fatura ​havia de aparecer.

 

Era um novo dia, uma paisagem radicalmente diferente e, logo pela manhã, um novo estado: tínhamos entrado na Califórnia e a Serra Nevada vestiu-se a rigor. Depois de meses quase sem chuva, os últimos dias tinham tido direito a um nevão que tinha tornado tudo uma espécie de parque encantado: nós estávamos, sem dúvida, enfeitiçados com as imagens. A manhã passou entre vários tons de branco e paragens em terriolas californianas.

Serra Nevada

A aproximação a Emeryville, ainda com uma paragem por Sacramento, promoveu uma adaptação gradual à realidade. Voltámos a sentir que estávamos num meio urbano e das paisagens de tirar a respiração restavam só as memórias… as fotografias ​continuavam sem fazer jus a instantes de tanta beleza.

 

A viagem vale a pena. As vistas são fenomenais. ​M​as também são as histórias das pessoas - quase provocadas a cada refeição devido à forma como somos sentados à mesa - que deixam marca. Da “princesa” de Omaha, Nebraska, com idade para ser avó, que participou numa liga de hóquei feminino e viaja regularmente para uma terriola no Iowa para acompanhar o desenvolvimento de uma casa de sobriedade que é gerida pelos próprios viciados e que tem uma taxa de sucesso superior a 90%; da Megan de Salt Lake City que trabalhou com a equipa de futebol (soccer) da cidade e com a equipa ​olímpica ​de patinagem de velocidade dos EUA; da mãe e filha do Illinois que reagem assim que ouvem a palavra "três”; do canadiano do Ottawa que parece contrariado e fala demasiado baixo para ser interessante; do pai e filha polacos que estão a cumprir um sonho.

 

Mas também do casal britânico a caminho de São Francisco para um casamento; do natural de São Francisco e filho de japon​eses​ a acabar o curso de medicina; do "hiker" que entrou em Denver vindo das Rocky Mountains e que falava português à conta de «umas» namoradas brasileiras; e dos americanos reformados que se centram na história de uma portuguesa e ficam fascinados com o que Portugal oferece, com o melhor do calor dos Estados Unidos sem o fantasma dos furacões ou terramotos.

 

O melhor elogio que se pode fazer ao California Zephyr? Soube a pouco. Tão a pouco que a primeira coisa​ que fizemos na cama do hotel em São Francisco foi esboçar uma rota que permita fazer, de comboio, Nova Iorque-Nova Orleães-Texas-Los Angeles-Seattle-Chicago-Nova Iorque. Por que não?