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Nuuk, a capital do norte

Centro de Nuuk

A capital da Gronelândia é a forma perfeita de perceber a verdadeira dimensão do território. Se Nanortalik era apenas uma pequena povoação perdida no sul, escondida por montanhas e com acesso remotos, Nuuk não tem desculpas hipotéticas.

Nanortalik podia ser algo que todos os maiores e mais populosos países do mundo têm: locais remotos, de difícil acesso e com pouco para mostrar. Mas Nuuk tem de ser visto aos olhos de Lisboa, Washinghton, Paris, Londres ou Tóquio. Bom, talvez a comparação seja injusta. Coloquemo-la na órbita de Tallinn, Riga, talvez até Vaduz.

Nuuk não é uma pequena capital de um pequeno território. É um ponto nevrálgico de uma área capaz de fazer envergonhar muitos países europeus. E, no final, Nuuk chega apenas para nos confirmar quão inóspita e distante a Gronelândia consegue ser.

Com várias montanhas como cenário de fundo, Nuuk nasceu na costa ocidental do território e está muito mais aberta ao mar. Ao fundo, de perder de vista, resistem inúmeras formações rochosas que emergem por cima da superfície e permanecem intocáveis pela vida humana (ou pelo menos assim parece).

As montanhas de Nuuk

Começa por ser difícil de compreender. Perdemo-nos nas vantagens e desvantagens de ter visitado Nanortalik antes e torna-se impossível fugir às comparações. É maior, sem dúvida. O porto tem muito mais movimento. Há mais carros, mais estradas, há passadeiras e até… semáforos. Há prédios, algo que em Nanortalik só conseguimos mesmo ver na escola - um edifício com extraordinários três pisos.

A costa é mais apaixonante. Pelo mar a perder de vista recortado pelo cinzento das montadas e pela sucessão de pequenas baías, com rochas coloridas em vez de areia e alguns icebergues que teimam em manter-se por perto. A zona mais moderna de Nuuk mantém-se distante e aqui temos apenas as casas mais pitorescas, a natureza, a vontade de fechar os olhos, sentir a brisa (gélida) na pele e andar.

Passear pela costa nem sempre é fácil mas tudo se torna mais simples com um passadiço de madeira que nos permite andar durante centenas de metros até termos a mesma vista que Hans Egede, um explorador que Noruega e Dinamarca reivindicam como seu, teve quando decidiu atracar há demasiados séculos. Não foi uma descoberta - o povo inuit há muito que lá vivia - mas marcou uma nova era para a Gronelândia.

Vista dos passadiços de madeira sobre o centro de Nuuk

É impossível fugir a Hans Egede em Nuuk. Desde a casa onde viveu ao nome de uma das principais ruas da cidade, passando por uma estátua erigida no topo de uma colina e da qual se tem uma vista privilegiada, há margem para tudo. O próprio museu nacional está a poucos metros e abre-nos a porta para a história nativa e colonizada da Gronelândia, dos povos que por lá passaram, dos hábitos, da abertura ao mundo e, entre outras coisas, da exportação de peixe salgado para… Portugal.

Nuuk pode estar munida com outro tipo de infraestruturas - também tem um centro cultural, um centro comercial com cerca de vinte lojas distribuídas por dois pisos e até uma biblioteca facílima de encontrar, tal a concentração de dezenas de turistas à porta a aproveitar o único ponto de wi-fi gratuito -, mas mantém a filosofia de Nanortalik. Mais do que por qualquer outra coisa, vale pelo que nos mostra, ao olho nu, desde as montanhas às casas coloridas, passando pelas ruas inclinadas e… um campo de futebol que, mais uma vez, está perfeitamente enquadrado no cenário.

Campo de futebol em Nuuk

São as pequenas coisas que nos fazem perceber que Nuuk é Gronelândia e não apenas uma pequena cidade na Escandinávia. O tal campo de futebol (na verdade são dois, sintéticos recentes, de boa qualidade, um maior e outro mais pequeno) tem quatro bolas perdidas pelas linhas laterais para quem quiser aparecer e jogar (curiosamente, o campeonato nacional começaria ali na semana seguinte à nossa visita). Pelas ruas, notamos também uma tendência para trampolins nos quintais e parques infantis, e bicicletas de todo o tipo caídas junto às portas.

A sensação de comunidade que transpira faz-nos pensar que existe uma proximidade que se tem vindo a perder nas grandes urbes. Aqui e ali, reparamos também no orgulho com que vizinhos penduram os seus prémios de caça - o verdadeiro exotismo numa cidade que, afinal, não é assim tão diferente daquilo que conhecemos.

Nuuk pode ser incomparavelmente diferente de Nanortalik e das restantes capitais europeias, mas o dia-a-dia de qualquer aglomeração de humanos é tendencialmente sempre o mesmo. Ali, encontramos, sim, uma povoação pequena, de comunidade próxima e que, apesar de tudo, se mantém bastante fechada ao contacto exterior. Somos privilegiados.

Vista junto ao porto de Nuuk

atlas de bolso em Nuuk

Street art em Nuuk

Casas pitorescas sobre uma das inúmeras baías de Nuuk

Vista à saída de Nuuk, de barco de cruzeiro

 

Um vulcão em erupção: uma experiência inesperada

Uma experiência para mais tarde recordar

Num dos últimos dias, enquanto procurava por comentários sobre a erupção do vulcão Fagradalsfjall na Islândia, encontrei uma mulher a pedir conselhos no Twitter sobre se devia reservar uma viagem para ir já ou se não havia grande urgência. Fiquei curioso, li mais e percebi que é alguém que garantiu ao marido no final do ano passado que compraria uma viagem na próxima vez que houvesse uma erupção. Era o sonho da vida dela e, naturalmente, um sonho que não se pode cumprir com data e hora marcada.

Por que é que isto é importante? Porque ir a um vulcão nunca esteve sequer nos meus desejos mais escondidos. Aliás, a erupção do Fagradalsfjall em 2021 passou-me completamente ao lado e se me perguntassem, teria hesitado em confirmar que tinha acontecido. Mas, por vezes, as oportunidades aparecem à nossa frente e, de repente, o que nunca pensámos fazer torna-se algo que não podemos não fazer. Mesmo que o processo seja longo.

O nosso regresso a Reiquejavique depois de um cruzeiro pela Gronelândia e norte da Islândia estava marcado para as seis da manhã de quinta-feira. Na véspera, em Isafjordur, recebemos uma mensagem a informar que um vulcão tinha entrado em erupção no país. «Estava nos nossos planos para amanhã ir lá acima», respondeu a Sarah. Estava a ser irónica. Era para o lado que dormíamos melhor.

Na manhã seguinte, ao levantar o carro que tínhamos alugado para explorar um pouco do território, a empregada perguntou-nos os planos para o dia e mencionou o vulcão. «Sim, sabemos, mas não devemos passar por lá», respondeu a Sarah, embora eu estivesse a subscrever telepaticamente a frase dela. «Oh, mas deviam. Deviam mesmo.» Foi o momento em que tudo mudou.

Lava de erupções anteriores

A erupção não ficava muito longe do sítio onde íamos passar a noite e decidimos que terminaríamos o dia com o vulcão. Subitamente, algo que nunca me tinha passado pela cabeça, que nunca tinha sequer surgido em conversa com ninguém, tornou-se um dos momentos pelos quais ansiava.

Depois de um dia a ver cascatas, geiseres, parques naturais, crateras e montanhas que nos fazem sentir que andamos a fazer um circuito hop on/hop off de wallpapers do Windows, chegaria o grande final. O momento tornou-se cada vez mais real quando ao fundo, ainda a mais de 50 quilómetros de estrada, começámos a ver o fumo branco a erguer-se por trás das montanhas. Mais perto, quando entrámos no município onde fica o Fagradalsfjall, recebi uma mensagem no telemóvel do 112.

«Visiting the volcano? Do not approach unless properly equipped (warm clothing, hiking boots, flashlight, food/drink, a charged phone). Stay off the lava!» Aqui, é caso para dizer que «a porra virou séria». Já havia notícias de duas pessoas que tinham ficado feridas, mas o nosso nível de aventureirismo era bastante reduzido. Ninguém estava a pensar correr riscos desnecessários e, para todos os efeitos, tínhamos aquilo tudo. Vá, mais ou menos, mas já lá vamos.

O parque de estacionamento onde deixámos o carro ficava próximo do sul da ilha e não sabíamos o que esperar. Quantos quilómetros até ver o vulcão? Ainda estava em erupção? Como seria a caminhada? Eram perguntas para as quais não sabíamos a resposta e que, na verdade, estávamos ainda muito longe de saber.

Metros que parecem quilómetros

A solução foi seguir pessoas, até porque passou despercebida uma placa que indicava a distância para um ponto de observação e a direção do trilho mais próximo. Depois de uma primeira grande colina a subir, movidos pelo entusiasmo e desconhecido, percebemos que… nenhuma das nossas dúvidas ficou esclarecida. E andámos, continuámos a andar, e andámos mais um pouco até a Sarah perceber que tinha de desistir. Depois de mais de um quilómetro em solo desafiante e após um dia muito cansativo que incluiu uma queda, a placa que situava o ponto de observação a mais de três quilómetros, com nova subida, ainda mais íngreme, pela frente, ditava um ponto final na aventura.

Eu continuei. Ver um vulcão em erupção nunca tinha sido um objetivo, mas também não estava disposto a deixar tudo para trás e lembrar-me para sempre daquele dia em que *quase* o tinha visto, em que fiquei a três quilómetros e depois voltei para trás. A Sarah estava magoada, não conseguia. Eu estava cansado, sim, mas sem desculpa. Tornou-se um exercício mental, ainda mais do que o físico.

Aquela caminhada a solo de mais de 3000 metros para ver um vulcão não foi muito diferente de uma das corridas que faço com regularidade, em que a mente é sempre o maior obstáculo. «Tenho de aguentar até ali», «não posso abrandar agora», «vá lá, falta menos de metade», «vai valer a pena» são frases repetidas, mesmo quando o vento, o frio e as rolling stones do solo nos fazem escorregar sem nos dar qualquer satisfaction.

Nunca houve uma verdadeira sensação de perigo na ida, mas o nível de dificuldade aumentou bastante. Percebi cedo que o regresso da Sarah foi a melhor decisão. Escorregava cada vez com mais frequência e os tornozelos eram postos em ação (no dia seguinte li que um dos turistas feridos partiu o tornozelo e teve de ser transportado de helicóptero), mas de repente surgiu pela primeira vez um cheiro a queimado. Foi como uma cenoura aos olhos de um burro. Uma motivação para continuar a andar, cada vez mais, não necessariamente mais rápido, mas pelo menos não mais lento, e sentir que iria mesmo valer a pena.

A certa altura, tive mesmo de parar para recuperar o fôlego. Havia dezenas de pessoas a fazer o mesmo percurso, algumas já a voltar, e ninguém parecia desiludido. Quem voltava, estava feliz. Quem ia, ia encorajado pelo que ia encontrar e talvez não tivesse a pressão de não demorar muito. Quando parei, aproveitei simplesmente para olhar em volta. Num outro qualquer momento, só aquilo já teria valido a pena. As montanhas, os vales, o solo que se percebe claramente que já teve atividade vulcânica e, ao fundo, o mar. A natureza compôs o cenário e ainda oferece a banda musical, com o assobiar de um vento que ganha cada vez mais força.

Quando uma imagem não faz jus à dificuldade

Quando a parte mais difícil do trajeto – mesmo que ainda não o soubesse – terminou, encontrei uma tabuleta que me disse estar a mil metros do ponto de observação. Pior que isso, que o trajeto mais rápido para voltar ao parque de estacionamento é por outro lado, 600 metros mais curto. Resisti ao impropério em voz alta, mas posso não ter sido muito simpático comigo mesmo. Não só tinha ido pelo caminho mais longo como, pensava eu, pelo mais difícil. Só a motivação de faltarem mil metros fez esquecer tudo.

A montanha-russa de emoções era quase literal. Tinha apenas um grande cume à frente que me separava do fumo mas, assim que cheguei ao sopé, vi um enorme campo de lava seca. Ser ignorante no assunto pode não ter ajudado, mas pensei que fosse do dia anterior e que, como tal, a erupção nesse momento já não estivesse ativa. Continuava a ser impressionante, não tenham dúvidas, mas confesso ter sentido uma pequena desilusão antes de me obrigar a contornar o tal cume.

A visão de lava ao vivo pela primeira vez, ainda que ao longe, trouxe consigo uma emoção inexplicável. A primeira coisa que fiz foi tirar uma fotografia e enviar à Sarah. Tinha-lhe falado na hipótese de fazer uma videochamada mas a cobertura não é assim tão boa e teria pouca definição. Aliás, percebi imediatamente que mesmo a fotografia não faria jus ao que via. Tal como os icebergues que tínhamos visto na Gronelândia, há algo de sobrenatural que não passa pela lente da máquina. Se, no gelo, é a forma como o azul claro do reflete a luz, na lava é a viscosidade da erupção.

É difícil explicar. Numa imagem, poderá não parecer mais do que um incêndio rural, mas ao vivo, o cenário ganha vida. A metáfora que encontrei na altura foi a de um bico de fogão, embora tudo parecesse em câmara lenta, um efeito provocado pela viscosidade da lava. Podia ter passado horas a fotografar mas segundos a olho nu, mesmo que de longe, valeram muito mais a pena. Foi um momento singular, o momento que fez a diferença, o momento em que percebi que, mesmo que nunca tenha sido um sonho, será algo que não vou esquecer.

Percebi perfeitamente a expressão das pessoas que tinha visto a regressar. Há uma parte de nós que nos faz sentir realizados, como se tivéssemos descoberto uma nova emoção, uma diferente parte de nós. Há quem sinta o impulso de ir à procura de ainda mais e vá mais longe pelo campo de lava seca, mas mesmo à distância é extraordinário. Tal como é extraordinário regressar e, naqueles primeiros metros, cruzarmo-nos com pessoas que estão a contornar o cume no preciso momento em que veem lava pela primeira vez. «Awwww, awesome!» É uma sintonia de emoções que nos faz sentir privilegiados.

Por outro lado, e ao mesmo tempo, é um privilégio que exige fazer o caminho de regresso. O ditado pode dizer que a descer todos os santos ajudam, e voltar com aquela imagem ainda na mente é melhor do que ir com medo da desilusão, mas foi um desafio ainda maior. Quis ir pelo desconhecido, pelo trilho que me poupava 600 metros e, tendo em conta que grande parte seria a descer, senti que seria ainda mais rápido. Não fazia ideia era que seria bastante mais perigoso também.

Maravilhas da natureza

Em dois momentos, o trilho foi tão íngreme que me fez arrepender de ter feito aquela escolha. A cautela esteve sempre presente mas, mesmo assim, escorregar ou não continuou a ser uma lotaria. É impossível prever que pedra vai rebolar, que terra está mais perigosa, que erva dará mais equilíbrio. Se tivesse sido uma rotina sobre gelo, teria perdido duas vezes meio ponto por ir com a mão ao chão.

Tive sorte por ter sido só isso. Tornozelos torcidos e um momento em que temi mesmo pelo tendão de Aquiles foram piores. No final, correu bem, mas percebi perfeitamente a razão para alguém sair dali com uma lesão grave. Pode nem sempre ser uma questão de imprudência, como quem se aproxima demasiado da lava; por vezes há um azar à beira de acontecer.

No meu caso nunca aconteceu. E por isso mesmo, quando voltei a ver a Sarah, já no final deste segundo trilho e com erva fofa e imune ao perigo, a sensação de alívio foi uma realidade e juntou-se na perfeição à possibilidade de ter testemunhado tudo aquilo. Disse-lhe que tinha tomado a decisão certa, mas que adoraria se ela pudesse ter estado lá comigo, a partilhar aquela visão.

Sorriu. E disse-me que eu estava a cheirar mal. O amor é assim, uma constante batalha de emoções.

Nanortalik - uma porta de entrada na Gronelândia

Vista sobre Nanortalik

A Gronelândia é um destino exótico, invulgar, que traz consigo uma uma sensação de inalcançável. Como tantos outros destinos, essa ideia vai desaparecendo a partir do momento em que se começa a perceber como exatamente podemos lá chegar.

Aquela enorme mancha branca no mapa tornou-se realidade em Nanortalik, uma pequena povoação no sul do território, escondida por montanhas por todos os lados, exceto na saída possível: o mar. O nome significa «o lugar dos ursos polares» ou «o lugar para onde vão os ursos polares», mas não serve como ameaça. Nanortalik é acima de tudo sinónimo de paz e tranquilidade.

A entrada na baía é feita com pompa e circunstância. Chegar de facto à Gronelândia não era garantido (uma semana antes, o capitão do cruzeiro onde estávamos tinha cancelado a rota devido à presença de icebergues e forte ondulação), e a aproximação foi feita como se estivéssemos num Nokia 3310: uma cobra a mudar de direção para chegar a um destino sem passar pelos obstáculos gelados.

A beleza natural invade-nos e os próprios icebergues, tão temidos pelo capitão («são bonitos de se ver mas só ao longe»), tornam-se automaticamente um ponto de interesse. É o cartão de visita perfeito da Gronelândia. O branco azulado reflete de tal forma que ficamos enfeitiçados, a forma parece definida por um escultor renascentista e o som consegue deixar-nos assoberbados. Quando um passa por nós, parece estar a explodir em efervescência, como se tivéssemos acabado de deixar cair um cubo de gelo num copo de Coca-Cola. A diferença é que é tudo natural, sem corantes nem edulcorantes.

Quando conseguimos tirar os olhos da água, as montanhas aguardam-nos ao fundo com casas coloridas em primeiro plano. As habitações brancas, claras, em tom pastel, que marcam o universo a que estamos habituados não existem. Ali, há apenas cores vibrantes, berrantes, amarelas, verdes, vermelhas, azuis. São gritos de expressão num mundo em que o branco da neve e o cinzento rochoso domina a paisagem doze meses por ano.

Saída de Nanortalik

É neste labirinto que entramos sem fim à vista. É quarta-feira de manhã e praticamente não se vê gente na rua. Ou melhor, há centenas de pessoas mas estão todas na mesma situação: somos convidados numa festa de milhares e a missão de encontrar os anfitriões é praticamente impossível.

O centro da cidade é para um lado, nós escolhemos seguir para o outro. Temos tempo e o campo de futebol é uma prioridade. Está muito perto da água, tem uma vista fenomenal e… uma bola perdida junto a uma das balizas. As bancadas não existem, há quatro ou cinco bancos de jardim numa pequena encosta junto à linha lateral e nada mais. É um campo que entra diretamente para o top do mais inóspito, invulgar e… fantástico que alguma vez vi.

As ruas começam a ter algum movimento. Numa das casas, o dono está à porta e diz-nos adeus. Mais à frente, um cão preso por trela não parece particularmente contente perante a proximidade de turistas. Não chegamos a essa casa. Atalhamos caminho pelo meio das rochas e definimos um trilho. Nas duas horas seguintes, vamos estar sozinhos, capazes de identificar pessoas ao fundo com os seus casacos de cores berrantes mas só nos ouvimos a nós, aos pássaros que nos rondam e à água da baía que contornamos por entre musgo, estradas enlameadas, erva e pouco mais. Não há árvores.

Campo de futebol em Nanortalik

Não chegamos a ouvir os nossos pensamentos mas eles são óbvios. Nessa mesma tarde, durante a saída do cruzeiro, uma mulher dirá «uau, simplesmente uau» perante a visão de uma montanha que penetra uma nuvem com um icebergue por perto. Horas antes, ali estamos nós com sucessivos «uau, simplesmente uau».

Desistimos do objetivo inicial de escalar uma daquelas montanhas mas continuamos suficientemente longe do centro de Nanortalik para nos sentirmos imersos na natureza. Não há ursos polares e a ameaça da abundância de mosquitos só chega para perdermos a paciência um par de vezes, sem ser necessário recorrer aos chapéus com rede que trouxemos na mala.

Ali, do «nosso» lado da baía, temos a montanha, e há um pequeno icebergue encalhado na maré vazia. Ao fundo, as casas coloridas não nos deixam esquecer a invulgaridade do nosso destino.

Nanortalik não é um deserto. A umas centenas de metros em linha reta, centenas de pessoas visitam o único supermercado da terra, o centro de informações de turismo, a igreja e um museu a céu aberto. Aí sim, os locais fazem questão de ser vistos. Crianças sorriem para as fotografias com bolas por baixo do braço e pequenas bicicletas à frente. Os mais velhos aproveitam para vender peças de artesanato e transmitir, por canções, a cultura que transportam dos antepassados.

Nanortalik é mais do que uma terra ignorada no sul da Gronelândia. É um ponto de entrada, é um lembrete importante. Os destinos turísticos não têm necessariamente de ser visitados com um guia, uma lista de coisas para fazer e locais para fotografar. Às vezes, basta viver. Olhar em volta. Deixar a natureza tratar do resto. Nanortalik foi perfeita para isso.

atlas de bolso em Nanortalik

Centro de Nanortalik

Cemitério em Nanortalik

Nova vista sobre Nanortalik

O adeus a Nanortalik