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Berlim: um estádio como minicosmos da história

 

Não há cidade no mundo onde nos consigamos sentir mais próximos de uma personagem do The Truman Show do que Berlim. A capital alemã transpira momentos históricos do século XX e a cada esquina somos invadidos por marcas da II Guerra Mundial ou da divisão das Alemanhas.

 

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A imponente entrada

Mais arrebatador do que isso é sentirmo-nos pequenos sempre que paramos para pensar e percebemos que a pessoa que temos à nossa frente terá uma história muito pessoal para contar. Dependendo da idade, pode até ter vivido com o Muro de Berlim e no epicentro da Alemanha Nazi. Ou simplesmente ouvido a história dos pais ou dos avós. Não precisou de ler nos livros como nós.

 

Berlim não é mais do que um enorme museu onde circulamos livremente e o Estádio Olímpico, de tão afastado do frenesim da metrópole, consegue ter momentos em que provoca uma viagem no tempo e nos sentimos parte dessa mesma história.

 

O metro no meio da floresta

 

A estação do Estádio Olímpico no metro de Berlim é a penúltima da linha U2. Fica já nos arredores de Berlim e, depois de uma fase em que nos deixamos levar pela azáfama da cidade, começamos a notar as carruagens cada vez mais desertas e a paisagem lá fora começa a substituir o cinzento dos prédios pelo verde das árvores.

 

É fácil sentirmo-nos perdidos, como se já estivéssemos a fazer parte de um novo mundo. Quando saímos na estação, não há uma única pessoa. Os carris entrelaçam-se em cinco ou seis linhas diferentes mas não há uma única carruagem a passar. Parece tudo abandonado.

 

A sensação parece cada vez mais forte quando saímos da estação, que até tem um pequeno museu do Metro de Berlim, com a parte de frente de uma carruagem amarela com destino ao Olympia-Stadion a sair por uma parede.

 

As indicações para o estádio impedem qualquer sensação de medo e, com o passar dos minutos, começamos a ver pessoas aqui e ali. Mas o sentimento de estarmos numa outra era parece persistir. No topo de um pequeno túnel lemos «Zum Olympia Stadion», uma facilmente decifrável indicação, mesmo para quem nunca tenha tido alemão, e imaginamos como seria a azáfama de outros tempos quando as carruagens chegavam repletas de adeptos em peregrinação até ao estádio.

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O túnel vai dar a uma pequena rua que, por sua vez, desagua na enorme praça do Estádio Olímpico. As marcas da imponência da arquitetura nazi são evidentes. O estádio pode ter sido remodelado para o Mundial em 2006, mas não é difícil vê-lo na década de 30, no período de maior pujança da Alemanha de Hitler.

 

De fora, continua a ter o aspeto clássico e duas enormes torres servem de enquadramento para os anéis olímpicos, que nos transportam imediatamente para 1936 e para os Jogos em que Jesse Owens desmitificou a noção de supremacia ariana propagandeada pelos nazis.

 

Curiosamente, não é a única invasão clássica de que somos vítimas. Junto à bilheteira onde compramos os bilhetes para visitar todo o complexo olímpico, está a decorrer uma exposição de carros clássicos que conseguem impressionar mesmo quem não é muito fã de automóveis.

 

Memórias desbloqueadas a cada segundo

 

Entrar no Estádio Olímpico, a partir do topo sul, serve quase como um desbloqueador de memórias a cada passo novo que damos. Talvez por se chamar Estádio Olímpico a ideia que mantemos sempre em mente é a dos Jogos Olímpicos de 1936, mas a história do estádio é muito maior.

 

Podemos estar esquecidos de outros momentos marcantes mas rapidamente eles são desbloqueados pelo olhar. Quando a pista de tartan de um azul berrante no meio de tanto cinzento se destaca, somos imediatamente transportados para os Mundiais de 2009, quando Usain Bolt estabeleceu o recorde do mundo dos 100 metros, que ainda resiste, de 9,58 segundos.

"Ruisain" Bolt

Do azul do tartan passamos para o verde da relva e imaginamos o peito de Materazzi a ser atingido pela cabeça de Zidane, não muitos minutos antes de Fabio Grosso decidir o Mundial de 2006 a favor da Itália. A história é tanta que nos sentimos pequenos de ali estar.

 

O complexo olímpico também está lá para nos fazer lembrar todos os momentos importantes pelos quais o estádio já passou. Num muro no exterior do estádio, durante vários metros, há pinturas que assinalam precisamente isso. Nós não resistimos a tirar fotografias: desde os sprints de Owens e Bolt ao concerto do U2, passando pelo erguer do troféu de Cannavaro em 2006 ou pelos festejos das alemãs durante um jogo do Mundial feminino em 2011.

 

Marcas do abandono

 

À medida que avançamos, a imagem moderna começa a ser substituída pela imagem clássica. Como se o bonito tivesse sido posto à frente, arrumando o abandonado mais atrás para não aborrecer os visitantes.

 

É aqui que entram as piscinas e o complexo onde se disputaram as provas de saltos. A água parece estar em condições, apesar de tudo, mas as bancadas estão com um aspeto de quem não vive há muito, com sinais de musgo e, muito possivelmente inalteradas desde a sua construção em 1936.

Complexo das piscinas

Por falar em 1936, sabemos já por esta altura que o nosso caminho vai terminar na famosa Torre do Sino do Estádio Olímpico. Ainda é preciso andar um bom bocado, apesar de visualmente estar já ali à nossa frente, e somos obrigados a contornar o Maifeld, uma enorme área de relva concebida para demonstrações de ginástica ou provas equestres.

 

Depois, finalmente, a Torre do Sino. Em toda a Berlim, é o local em que nos sentimos mais próximos de partilhar um espaço com Hitler. E isso nota-se no arrepio que sentimos na pele. O dia está nublado, mas não precisamos de estar muito agasalhados. Apesar disso, naquele instante, e também muito por culpa da construção de pedra, sentimos um frio na barriga muito mais intenso.

 

Os nossos passos ecoam lá dentro. Nas paredes, vemos imagens e lemos inscrições sobre o tempo da Alemanha Nazi. E vemos Hitler com vários dos seus ministros ali mesmo, naquele espaço, onde nós estamos naquele momento. E é intenso.

 

Alvo dos ataques dos Aliados, a estrutura já não é a mesma da década de 30. Teve de ser reconstruída, de forma fiel, em 1962. O sino dos Jogos Olímpicos de Berlim já não toca – rachou depois de uma queda durante um ataque britânico – e chega a parecer poético, tendo em conta que é uma referência a um dos períodos mais negros da história.

 

Mas, lá em cima, no topo da torre, o arrepio é substituído por uma arrebatadora contemplação da natureza. Com o Estádio Olímpico de Berlim mesmo à nossa frente – não há melhor sítio para o ver do que dali – conseguimos ver tudo o que nos rodeia, inclusive, ao longe, a omnipresente Torre da Televisão, construída pelos alemães de leste durante a era do Muro de Berlim.

A magnífica vista da Torre do Sino

É a sinédoque perfeita para acabar a visita ao Estádio Olímpico de Berlim. Ali, pisando a mesma terra que Hitler pisou, vendo o mesmo estádio em que figuras como Jesse Owens, Usain Bolt, Zinedine Zidane ou Fabio Grosso fizeram história e com uma construção, distante mas à vista, de uma época em que a Alemanha estava dividida.

 

É apenas uma pequena parte da viagem a Berlim mas ajuda-nos a entender o todo e a plantar uma vontade cada vez maior de um dia lá voltar.

 

 

 

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