Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Nanortalik - uma porta de entrada na Gronelândia

Vista sobre Nanortalik

A Gronelândia é um destino exótico, invulgar, que traz consigo uma uma sensação de inalcançável. Como tantos outros destinos, essa ideia vai desaparecendo a partir do momento em que se começa a perceber como exatamente podemos lá chegar.

Aquela enorme mancha branca no mapa tornou-se realidade em Nanortalik, uma pequena povoação no sul do território, escondida por montanhas por todos os lados, exceto na saída possível: o mar. O nome significa «o lugar dos ursos polares» ou «o lugar para onde vão os ursos polares», mas não serve como ameaça. Nanortalik é acima de tudo sinónimo de paz e tranquilidade.

A entrada na baía é feita com pompa e circunstância. Chegar de facto à Gronelândia não era garantido (uma semana antes, o capitão do cruzeiro onde estávamos tinha cancelado a rota devido à presença de icebergues e forte ondulação), e a aproximação foi feita como se estivéssemos num Nokia 3310: uma cobra a mudar de direção para chegar a um destino sem passar pelos obstáculos gelados.

A beleza natural invade-nos e os próprios icebergues, tão temidos pelo capitão («são bonitos de se ver mas só ao longe»), tornam-se automaticamente um ponto de interesse. É o cartão de visita perfeito da Gronelândia. O branco azulado reflete de tal forma que ficamos enfeitiçados, a forma parece definida por um escultor renascentista e o som consegue deixar-nos assoberbados. Quando um passa por nós, parece estar a explodir em efervescência, como se tivéssemos acabado de deixar cair um cubo de gelo num copo de Coca-Cola. A diferença é que é tudo natural, sem corantes nem edulcorantes.

Quando conseguimos tirar os olhos da água, as montanhas aguardam-nos ao fundo com casas coloridas em primeiro plano. As habitações brancas, claras, em tom pastel, que marcam o universo a que estamos habituados não existem. Ali, há apenas cores vibrantes, berrantes, amarelas, verdes, vermelhas, azuis. São gritos de expressão num mundo em que o branco da neve e o cinzento rochoso domina a paisagem doze meses por ano.

Saída de Nanortalik

É neste labirinto que entramos sem fim à vista. É quarta-feira de manhã e praticamente não se vê gente na rua. Ou melhor, há centenas de pessoas mas estão todas na mesma situação: somos convidados numa festa de milhares e a missão de encontrar os anfitriões é praticamente impossível.

O centro da cidade é para um lado, nós escolhemos seguir para o outro. Temos tempo e o campo de futebol é uma prioridade. Está muito perto da água, tem uma vista fenomenal e… uma bola perdida junto a uma das balizas. As bancadas não existem, há quatro ou cinco bancos de jardim numa pequena encosta junto à linha lateral e nada mais. É um campo que entra diretamente para o top do mais inóspito, invulgar e… fantástico que alguma vez vi.

As ruas começam a ter algum movimento. Numa das casas, o dono está à porta e diz-nos adeus. Mais à frente, um cão preso por trela não parece particularmente contente perante a proximidade de turistas. Não chegamos a essa casa. Atalhamos caminho pelo meio das rochas e definimos um trilho. Nas duas horas seguintes, vamos estar sozinhos, capazes de identificar pessoas ao fundo com os seus casacos de cores berrantes mas só nos ouvimos a nós, aos pássaros que nos rondam e à água da baía que contornamos por entre musgo, estradas enlameadas, erva e pouco mais. Não há árvores.

Campo de futebol em Nanortalik

Não chegamos a ouvir os nossos pensamentos mas eles são óbvios. Nessa mesma tarde, durante a saída do cruzeiro, uma mulher dirá «uau, simplesmente uau» perante a visão de uma montanha que penetra uma nuvem com um icebergue por perto. Horas antes, ali estamos nós com sucessivos «uau, simplesmente uau».

Desistimos do objetivo inicial de escalar uma daquelas montanhas mas continuamos suficientemente longe do centro de Nanortalik para nos sentirmos imersos na natureza. Não há ursos polares e a ameaça da abundância de mosquitos só chega para perdermos a paciência um par de vezes, sem ser necessário recorrer aos chapéus com rede que trouxemos na mala.

Ali, do «nosso» lado da baía, temos a montanha, e há um pequeno icebergue encalhado na maré vazia. Ao fundo, as casas coloridas não nos deixam esquecer a invulgaridade do nosso destino.

Nanortalik não é um deserto. A umas centenas de metros em linha reta, centenas de pessoas visitam o único supermercado da terra, o centro de informações de turismo, a igreja e um museu a céu aberto. Aí sim, os locais fazem questão de ser vistos. Crianças sorriem para as fotografias com bolas por baixo do braço e pequenas bicicletas à frente. Os mais velhos aproveitam para vender peças de artesanato e transmitir, por canções, a cultura que transportam dos antepassados.

Nanortalik é mais do que uma terra ignorada no sul da Gronelândia. É um ponto de entrada, é um lembrete importante. Os destinos turísticos não têm necessariamente de ser visitados com um guia, uma lista de coisas para fazer e locais para fotografar. Às vezes, basta viver. Olhar em volta. Deixar a natureza tratar do resto. Nanortalik foi perfeita para isso.

atlas de bolso em Nanortalik

Centro de Nanortalik

Cemitério em Nanortalik

Nova vista sobre Nanortalik

O adeus a Nanortalik