Uma tarde de desporto com sessão dupla em Oakland
Não é novidade para ninguém – ou por esta altura já não devia ser – que não perdemos uma oportunidade para ver desporto sempre que vamos aos Estados Unidos. Mais do que acessório, é uma coisa com que nos preocupamos na altura de marcar a viagem e até costumamos preferir ir em abril, por saber que é o mês perfeito para conjugar basquetebol, basebol e hóquei no gelo.
As cidades não são todas iguais e oferecem alternativas diferentes. Há umas que nem sequer têm as três modalidades e outras em que para ir de um recinto para outro é preciso contemplar pelo menos uma hora de transporte. Outras, como Filadélfia, são o oásis. Nunca vimos nenhum jogo mas passámos numa autoestrada lá ao lado que nos permitiu perceber: ali, num espaço reduzido e partilhando parques de estacionamento, estão o pavilhão dos 76ers (NBA) e Flyers (NHL), o estádio dos Phillies (MLB) e o dos Eagles (NFL). É perfeito, mesmo que raramente joguem no mesmo dia.
Em Oakland, durante a viagem a São Francisco em 2016, aproveitámos para explorar algo semelhante. Sim, foi preciso atravessar a baía, numa viagem de cerca de meia hora, mas o programa daquele 7 de abril, o primeiro dia completo que tivemos na Califórnia, compensava. O Oakland Coliseum, casa dos Athletics (MLB) e Raiders (NFL) fica literalmente ao lado da Oracle Arena, pavilhão dos Golden State Warriors (NBA).
Quando programámos a viagem, não podíamos ficar mais satisfeitos: os Athletics jogavam com os Chicago White Sox às 12h37 (sim, os horários do basebol são muito sui generis) e os Warriors recebiam os San Antonio Spurs às 19h30. A sessão dupla estava combinada. Nada podia correr mal.
Escaldão da praxe
Nós devemos ser as únicas alminhas do mundo que apanham mais escaldões durante eventos desportivos do que na praia ao sol. A explicação até é natural. Afinal, quem é que se lembra de levar protetor solar para uma viagem em abril em que a praia não é um destino equacionado? Em casa dos Athletics, cedo percebemos que íamos cumprir o destino dos nossos narizes.
A hora de começo do jogo não enganou e os nossos lugares, nos famosos bleachers, ainda longe do centro da ação, eram mais um indício da nossa provação. Protegemo-nos da forma que pudemos, quando nos apercebemos para onde caminhávamos, mas não houve solução possível.
O ambiente do jogo foi estranho. Nunca tínhamos estado numa partida com tão pouca gente… especialmente tendo em conta que o coliseu é gigantesco. Com o anel superior fechado, a fazer lembrar os jogos da Taça da Liga dos grandes em Portugal, o mais próximo do relvado também tinha muitas clareiras. Athletics e White Sox não tinham grandes pergaminhos naquela temporada e a ausência de público – 12577 espectadores de acordo com os números oficiais – foram uma consequência natural.
O ambiente era morno, e não apenas por causa do sol. Havia famílias inteiras, com crianças pequenas, perto de nós (e essas sim, tinham protetor para toda a gente, para dar e vender) e uma espécie de claque de apoio de jovens adolescentes com batuques, tambores e cânticos adequados a cada jogador.
Estarmos longe da ação - uma decisão ponderada prevendo a possibilidade de apanhar a bola de um home run - tornou o jogo mais… aborrecido. A experiência valeu por conhecermos mais um estádio e vermos duas novas equipas, mas o espetáculo oferecido (White Sox venceram 6-1) ficou abaixo do desejado. Afinal, em Oakland, em Portugal e todo o mundo, é sempre importante ter um bom ambiente para elevar a fasquia do jogo. Sem pessoas não há milagres.
O período de transição
Quando saímos de casa naquela manhã, tínhamos o tempo contado. Sabíamos que o trajeto da nossa casa no Mission District até à estação perto do estádio seria longo, por isso planeámos de acordo. Quando o jogo dos Athletics acabou, porém, não havia grande coisa que pudéssemos fazer enquanto esperávamos pela hora do encontro seguinte.
Um jogo de basebol demora – se tudo correr bem – aproximadamente três horas. O Athletics-White Sox terminou três horas e seis minutos depois do lançamento inicial. Ou seja, às 15h43 fomos «empurrados» para fora do estádio, sabendo que faltavam praticamente quatro horas para o segundo jogo.
O problema? Os dois recintos são tão próximos, e «abandonados» num parque de estacionamento, que não há nada para fazer. Sim, a loja dos Warriors estava aberta mas, mesmo com muito boa vontade, não se consegue matar mais do que uma hora com isso. Na verdade, nós nem dez minutos estivemos lá dentro.
Conformámo-nos com a espera e ficámos numa praça localizada exatamente nos trinta metros – se calhar nem tanto – que separava o estádio do pavilhão, a fazer people watching. À sombra, os efeitos do escaldão começaram a ser notórios, não só pelos narizes de Rodolfo (a rena), ao mesmo tempo que começávamos a sentir frio.
Quando a movimentação começou a aumentar, decidimos aproximar-nos de uma das portas de entrada da Oracle Arena e percebemos que os nossos telemóveis apanhavam wi-fi gratuito. Menos mal, pensámos nós.
Um jogo que podia ser memorável
O jogo foi a 7 de abril mas tínhamos os bilhetes desde outubro, por isso estávamos longe de pensar o que ia acontecer. A época foi histórica para os Golden State Warriors. Campeões em título, eram a equipa mais espetacular da NBA e o jogo contra os San Antonio Spurs seria sempre importante. Mas ali, em 2015/16, a equipa de Curry, Thompson e companhia ia a caminho do recorde de mais vitórias de sempre na fase regular.
As semanas que antecederam a nossa viagem trouxeram muito sofrimento. Estávamos a torcer para que o jogo com os Spurs pudesse ser a noite em que o recorde fosse batido. Ou pelo menos igualado. Não tivemos essa sorte: na semana da nossa viagem, os Warriors sofreram duas derrotas inesperadas em casa e o nosso jogo não seria mais do que o encontro da 70.ª vitória.
Atenção, continuou a ser importante. Era preciso ganhar para garantir a possibilidade de chegar ao recorde e nunca uma equipa, a não ser os Bulls de 1996, tinham alcançado essa marca. Mas não seria a última bolacha do pacote. O ambiente foi, mesmo assim, impressionante.
As pessoas faziam fila para entrar mais cedo porque ninguém queria perder a oportunidade de ver os famosos aquecimentos de Stephen Curry, prevendo o possível e até o impossível durante um jogo. Respirava-se confiança – no recorde e num novo título (que não chegou a acontecer) – e o pavilhão estava a abarrotar. As 19596 pessoas nem eram necessariamente muito mais do que no jogo de basebol, mas ali representavam um pavilhão cheio, sem cadeiras vazias e… num recinto fechado.
A vitória de Golden State foi fácil (112-101) e o que nos ficou mais na memória foi a mulher que, sentada perto de nós, insistia em explicar às pessoas a razão para gritar “nana” em vez de “defense”, cada vez que o pavilhão se juntava em uníssono para promover a defesa dos Warriors.
Os Spurs estavam no ataque e, subitamente, ouvíamos um “nana”, com o timbre e melodia mais enervantes que podem imaginar, sobretudo devido à repetição constante. "Nana" era a avó da dita mulher, já falecida. Estava convencida que a evocação da avó seria ainda melhor do que gritar o que todos os outros gritavam, por isso mantinha-se fiel ao seu espírito… literalmente.